Pesquisar este blog

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

A INCONSTITUCIONALIDADE DA PENA ADMINISTRATIVA DE CASSAÇÃO DE APOSENTADORIA




Tramita no Supremo Tribunal Federal uma importante Ação Direta de Inconstitucionalidade, nº 4882, promovida pela Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil, que questiona o teor dos artigos 127, IV e 134 da Lei nº 8.112/1990 – Estatuto dos Servidores Públicos Federais.

Dizem os artigos, verbis:

“Art. 127.  São penalidades disciplinares:
(...)
IV - cassação de aposentadoria ou disponibilidade;”

“Art. 134.  Será cassada a aposentadoria ou a disponibilidade do inativo que houver praticado, na atividade, falta punível com a demissão.”

Frise-se, muitos estatutos estaduais possuem artigos com teores semelhantes, como, por exemplo, a Lei Complementar Estadual nº 04/1990, verbis:

“Art. 154. São penalidades disciplinares:
(...)
IV – cassação de aposentadoria ou disponibilidade;”

“Art. 161. Será cassada a aposentadoria ou a disponibilidade do inativo que houver praticado, na atividade, falta punível com a demissão.”

A questão principal diz respeito ao servidor público que pratica, durante o exercício de suas funções, infração de natureza grave que seja passível de aplicação da penalidade de demissão, vindo esta a se consolidar quando ele já se encontra na inatividade, usufruindo do benefício da aposentadoria. Logo, a pena de demissão será imposta ao servidor inativo, e, por consequência, a cassação de sua aposentadoria.

Em contrapartida, o doutrinador administrativista José dos Santos Carvalho Filho ensina que o instituto da SANÇÃO tem natureza de penalidade funcional, devendo ser aplicada diante da ocorrência do cometimento de infração de natureza grave praticada quando o servidor ainda está no exercício de suas funções.

Diz ainda o autor, que a aplicação da penalidade de cassação de aposentadoria tem como consequência a declaração de invalidade do ato de concessão do benefício. Destaque-se, a aposentadoria é um ato administrativo complexo e ao se formalizar diz-se que ele encerra um procedimento dito ato perfeito.

Para desqualificar um ato administrativo perfeito é necessário a desconstituição do que gerou na essência este direito. A cassação da aposentadoria como pena não contempla este ciclo procedimental de desconstituição.

O histórico procedimental das aposentadorias nos mostra que a concessão ocorria sem contraprestação alguma por parte do servidor. O benefício era suportado integralmente pelo Poder Público. A aposentadoria tinha natureza de prêmio.

Com o advento das Emendas Constitucionais nº 03/93 e nº 20/98, o dito regime próprio de previdência passou a exigir a contribuição pecuniária do servidor; uma parte do Poder Público e outra do servidor, passando, assim, este a financiar parte da sua própria previdência.

Com estas alterações constitucionais, o direito à aposentadoria passou a ter natureza de direito subjetivo para o servidor, que passa a ter direito adquirido à aquisição do benefício, devendo ser concedido após o cumprimento dos requisitos de tempo e idade previamente estabelecidos pela lei.

A ADI nº 4882 quer que o STF se pronuncie, levando em conta o advento das Emendas Constitucionais nº 03/93 e nº 20/98, ou seja, a aposentadoria que passou a ser de natureza contributiva, tornando imprescindível o recolhimento das contribuições previdenciárias pelo servidor, pode ou não ser cassada, em razão da prática de atos incompatíveis com a função pública? que tenham sido realizados durante a ativa e tenham como sanção a pena de demissão?

Pergunta-se: a cessação em forma de pena deste benefício não representaria causa de enriquecimento ilícito da Administração Pública, considerando que esta recebe as contribuições sem qualquer retribuição ao servidor inativo? Deverá devolver o valor arrecadado ao servidor demitido com juros e correção monetária?

Para Celso Antônio Bandeira de Melo, o direito adquirido representa uma blindagem, impedindo que mudanças legislativas posteriores provoquem mudanças neste direito, prestigiando desta forma o princípio da segurança jurídica.

Ora, se nem mesmo através da superveniência de uma norma jurídica poderá o legislador prejudicar um direito que já tenha sido adquirido pelo servidor, não será, portanto, um ato administrativo que irá retirar um direito adquirido de seu titular.

O julgamento administrativo da infração investigada e a sua eventual pena não deve ter um caráter perpétuo ao servidor penalizado. Não pode ultrapassar o bom senso que deve nortear o viver. Não é a toa que nos tribunais mundo a fora o Princípio da Dignidade Humana ganha destaque diariamente. As penas judiciais ou administrativas não devem ter caráter de aniquilar o viver de uma pessoa. Devem, sim, ter caráter pedagógico capaz de desmotivar a continuidade do viver sob infrações.

Atingir a aposentadoria para a qual o servidor contribuiu durante muitos anos é sem dúvida uma afronta ao direito alimentar.

Ademais, no atual momento em que se aplica tal barbaridade jurídica aos servidores não se vê o mesmo aos membros do Poder Judiciário, que sob condenações ganham o benefício da aposentadoria compulsória proporcional, independentemente da gravidade da infração.

Aos que foram demitidos do serviço público na ativa ou na inatividade devem buscar a sua contribuição com juros e correção monetária em forma de devolução, podendo, inclusive, requerer que seja transferida ao INSS, caso queira, para adquirir o benefício da aposentadoria naquele órgão previdenciário. Contudo, caso o STF julgue pela inconstitucionalidade dos citados artigos da Lei nº 8.112/1990, a aposentadoria alcançada sob preenchimento dos requisitos legais não poderá ser objeto de cassação.

Acompanhemos a tramitação e julgamento desta importante ADI nº 4882 no Supremo Tribunal Federal.


JOSÉ LUÍS BLASZAK
Advogado e Professor de Direito Administrativo e Direito Eleitoral
Ex-Juiz Membro do TRE/MT
Membro da Academia Mato-grossense de Direito Constitucional 
Email: joseluis@blaszak.adv.br