Tramita no Supremo
Tribunal Federal uma importante Ação Direta de Inconstitucionalidade, nº 4882, promovida
pela Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil,
que questiona o teor dos artigos 127, IV e 134 da Lei nº 8.112/1990 – Estatuto
dos Servidores Públicos Federais.
Dizem os artigos, verbis:
“Art. 127. São
penalidades disciplinares:
(...)
IV - cassação
de aposentadoria ou disponibilidade;”
“Art. 134. Será
cassada a aposentadoria ou a disponibilidade do inativo que houver praticado,
na atividade, falta punível com a demissão.”
Frise-se, muitos
estatutos estaduais possuem artigos com teores semelhantes, como, por exemplo,
a Lei Complementar Estadual nº 04/1990, verbis:
“Art. 154.
São penalidades disciplinares:
(...)
IV –
cassação de aposentadoria ou disponibilidade;”
“Art. 161.
Será cassada a aposentadoria ou a disponibilidade do inativo que houver
praticado, na atividade, falta punível com a demissão.”
A questão principal diz
respeito ao servidor público que pratica, durante o exercício de suas funções,
infração de natureza grave que seja passível de aplicação da penalidade de
demissão, vindo esta a se consolidar quando ele já se encontra na inatividade,
usufruindo do benefício da aposentadoria. Logo, a pena de demissão será imposta
ao servidor inativo, e, por consequência, a cassação de sua aposentadoria.
Em contrapartida, o
doutrinador administrativista José dos Santos Carvalho Filho ensina que o
instituto da SANÇÃO tem natureza de penalidade funcional, devendo ser aplicada
diante da ocorrência do cometimento de infração de natureza grave praticada
quando o servidor ainda está no exercício de suas funções.
Diz ainda o autor, que a
aplicação da penalidade de cassação de aposentadoria tem como consequência a
declaração de invalidade do ato de concessão do benefício. Destaque-se, a
aposentadoria é um ato administrativo complexo e ao se formalizar diz-se que
ele encerra um procedimento dito ato perfeito.
Para desqualificar um
ato administrativo perfeito é necessário a desconstituição do que gerou na
essência este direito. A cassação da aposentadoria como pena não contempla este
ciclo procedimental de desconstituição.
O histórico
procedimental das aposentadorias nos mostra que a concessão ocorria sem contraprestação
alguma por parte do servidor. O benefício era suportado integralmente pelo
Poder Público. A aposentadoria tinha natureza de prêmio.
Com o advento das
Emendas Constitucionais nº 03/93 e nº 20/98, o dito regime próprio de
previdência passou a exigir a contribuição pecuniária do servidor; uma parte do
Poder Público e outra do servidor, passando, assim, este a financiar parte da
sua própria previdência.
Com estas alterações
constitucionais, o direito à aposentadoria passou a ter natureza de direito
subjetivo para o servidor, que passa a ter direito adquirido à aquisição do
benefício, devendo ser concedido após o cumprimento dos requisitos de tempo e
idade previamente estabelecidos pela lei.
A ADI nº 4882 quer que o
STF se pronuncie, levando em conta o advento das Emendas Constitucionais nº
03/93 e nº 20/98, ou seja, a aposentadoria que passou a ser de natureza
contributiva, tornando imprescindível o recolhimento das contribuições
previdenciárias pelo servidor, pode ou não ser cassada, em razão da prática de
atos incompatíveis com a função pública? que tenham sido realizados durante a
ativa e tenham como sanção a pena de demissão?
Pergunta-se: a cessação
em forma de pena deste benefício não representaria causa de enriquecimento
ilícito da Administração Pública, considerando que esta recebe as contribuições
sem qualquer retribuição ao servidor inativo? Deverá devolver o valor arrecadado
ao servidor demitido com juros e correção monetária?
Para Celso Antônio
Bandeira de Melo, o direito adquirido representa uma blindagem, impedindo que
mudanças legislativas posteriores provoquem mudanças neste direito,
prestigiando desta forma o princípio da segurança jurídica.
Ora, se nem mesmo
através da superveniência de uma norma jurídica poderá o legislador prejudicar
um direito que já tenha sido adquirido pelo servidor, não será, portanto, um
ato administrativo que irá retirar um direito adquirido de seu titular.
O julgamento
administrativo da infração investigada e a sua eventual pena não deve ter um
caráter perpétuo ao servidor penalizado. Não pode ultrapassar o bom senso que
deve nortear o viver. Não é a toa que nos tribunais mundo a fora o Princípio da
Dignidade Humana ganha destaque diariamente. As penas judiciais ou
administrativas não devem ter caráter de aniquilar o viver de uma pessoa.
Devem, sim, ter caráter pedagógico capaz de desmotivar a continuidade do viver
sob infrações.
Atingir a aposentadoria
para a qual o servidor contribuiu durante muitos anos é sem dúvida uma afronta
ao direito alimentar.
Ademais, no atual
momento em que se aplica tal barbaridade jurídica aos servidores não se vê o
mesmo aos membros do Poder Judiciário, que sob condenações ganham o benefício
da aposentadoria compulsória proporcional, independentemente da gravidade da
infração.
Aos que foram demitidos
do serviço público na ativa ou na inatividade devem buscar a sua contribuição
com juros e correção monetária em forma de devolução, podendo, inclusive,
requerer que seja transferida ao INSS, caso queira, para adquirir o benefício
da aposentadoria naquele órgão previdenciário. Contudo, caso o STF julgue pela
inconstitucionalidade dos citados artigos da Lei nº 8.112/1990, a aposentadoria
alcançada sob preenchimento dos requisitos legais não poderá ser objeto de
cassação.
Acompanhemos a
tramitação e julgamento desta importante ADI nº 4882 no Supremo Tribunal
Federal.
JOSÉ LUÍS BLASZAK
Advogado e Professor de
Direito Administrativo e Direito Eleitoral
Ex-Juiz Membro do TRE/MT
Membro da Academia
Mato-grossense de Direito Constitucional
Email: joseluis@blaszak.adv.br
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