*José Luís Blaszak
O comando positivo da norma
delimita didaticamente a quitação eleitoral. O § 7º do artigo 10 da Lei nº
9.504/97 expressa, verbis:
“A
certidão de quitação eleitoral abrangerá exclusivamente a plenitude do gozo dos
direitos políticos, o regular exercício do voto, o atendimento a convocações da
Justiça Eleitoral para auxiliar os trabalhos relativos ao pleito, a
inexistência de multas aplicadas, em caráter definitivo, pela Justiça Eleitoral
e não remitidas, e a apresentação de contas de campanha eleitoral.”[1]
O § 8º do mesmo artigo diz que
considerar-se-ão quites aqueles que:
“I
- condenados ao pagamento de multa, tenham, até a data da formalização do seu
pedido de registro de candidatura, comprovado o pagamento ou o parcelamento da
dívida regularmente cumprido;
II
- pagarem a multa que lhes couber individualmente, excluindo-se qualquer
modalidade de responsabilidade solidária, mesmo quando imposta
concomitantemente com outros candidatos e em razão do mesmo
fato.
III
- o parcelamento das multas eleitorais é direito do cidadão, seja ele eleitor
ou candidato, e dos partidos políticos, podendo ser parceladas em até 60
(sessenta) meses, desde que não ultrapasse o limite de 10% (dez por cento) de
sua renda.”[2]
O descumprimento do que é
delimitado no §7º gera irregularidade suficiente para pendências com a Justiça
Eleitoral. Estas pendências ficam registradas nos cartórios das zonas
eleitorais, impedindo a expedição de certidão de quitação eleitoral.
O §8º abre exceção com
referência às irregularidades com penas de multas.
Na seara eleitoral a ausência de condições de registrabilidade é a consequência mais grave pela falta de quitação.
Há tempo se comete graves
equívocos referente ao alcance dos efeitos da falta de quitação eleitoral. O
maior deles é a extrapolação dos efeitos para a vida civil. É comum atos
abusivos decorrentes de uma errada hermenêutica.
Constantemente se vê a administração
pública negar posse a candidatos aprovados em concursos públicos por conta da
falta de quitação eleitoral, ou ainda, negar a expedição de passaporte.
O Tribunal Superior Eleitoral
já sacramentou a matéria, firmando jurisprudência no sentido de que os efeitos
da falta de quitação deve se limitar à
esfera eleitoral.
Vejamos.
“QUITAÇÃO
ELEITORAL. SUSPENSÃO DE DIREITOS POLÍTICOS. CONDENAÇÃO CRIMINAL DEFINITIVA.
EFEITOS. IMPOSSIBILIDADE. IMPEDIMENTOS. ATOS DA VIDA CIVIL. LEGISLAÇÃO
ELEITORAL. APLICAÇÃO RESTRITIVA. LEGALIDADE ESTRITA. POSSIBILIDADE.
FORNECIMENTO. CERTIDÃO. SITUAÇÃO ELEITORAL.
A restrição ao fornecimento de quitação
eleitoral ao condenado criminalmente por decisão irrecorrível decorre do
alcance do instituto, positivado pelo legislador ordinário, conforme a
orientação inicialmente fixada pelo Tribunal Superior Eleitoral (Res.-TSE nº
21.823, de 15 de junho de 2004), a contemplar, entre outros requisitos, a
plenitude do gozo dos direitos políticos.
A exigência de documentos originários da
Justiça Eleitoral como condição para o exercício de atos da vida civil, à
margem dos impedimentos legalmente estabelecidos em razão do descumprimento das
obrigações relativas ao voto, representa ofensa a garantia fundamental, haja
vista o caráter restritivo das aludidas normas.
Possibilidade
de fornecimento, pela Justiça Eleitoral, de certidões que reflitam a suspensão
de direitos políticos, das quais constem a natureza da restrição e o
impedimento, durante a sua vigência, do exercício do voto e da regularização da
situação eleitoral.”[3]
Extrai-se do destacado voto do
eminente Ministro FELIX FISCHER, as seguintes assertivas, verbis:
“O
conceito de quitação eleitoral, por seu turno, definido inicialmente em
resolução deste Tribunal (Res.-TSE nº 21.823, de 15 de junho de 2004),
posteriormente, foi positivado pelo legislador ordinário, passando a dispor o § 7° do art. 11 da
Lei nº 9.504,
de 1997, acrescentado
pela Lei nº 12.034, de 29 de setembro de 2009:
Art. 11. (...)
(...)
§ 7° A certidão de quitação
eleitoral abrangerá exclusivamente a plenitude do gozo dos direitos políticos,
o regular exercício do voto, o atendimento a convocações da Justiça Eleitoral
para auxiliar os trabalhos relativos ao pleito, a inexistência de multas
aplicadas, em caráter definitivo, pela Justiça Eleitoral e não remitidas, e a
apresentação de contas de campanha eleitoral.
Relativamente
ao entrave posto à inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) perante a
Receita Federal, de igual modo indicado como documento exigido para a
obtenção da vaga de trabalho, consoante também esclarece a informação da
Corregedoria-Geral , a propna regulamentação daquele órgão, consubstanciada na
Instrução Normativa RFB nº 864, de 25 de julho de 2008, admite a realização de
inscrições de ofício, entre outras hipóteses, por determinação judicial (art.
11, V). Bastará, portanto, quanto ao ponto, decisão do juízo da execução penal
ordenando a expedição do CPF aos beneficiados com o programa.
Observo
ainda, em derradeira análise, que as limitações ao gozo de direitos na órbita
civil, estabelecidas pela legislação eleitoral em face do não cumprimento da
obrigação relativa ao exercício do voto, da satisfação da multa correspondente
ou da apresentação de justificativa para a falta, se restringem aos contornos
do § 1° do art. 7° do Código Eleitoral, que assim dispõe:
Art.
7° (...)
§
1° Sem a prova de que votou na última
eleição, pagou a respectiva multa ou de que se justificou devidamente, não
poderá o eleitor:
I
- inscrever-se em concurso ou prova para cargo ou função pública, investir-se
ou empossar-se neles;
II
- receber vencimentos, remuneração, salário ou proventos de função ou emprego
público, autárquico ou para estatal, bem como fundações governamentais,
empresas, institutos e sociedades de qualquer natureza, mantidas ou
subvencionadas pelo governo ou que exerçam serviço público delegado, correspondentes
ao segundo mês subseqüente ao da eleição;
III
- participar de concorrência pública ou administrativa da União, dos Estados,
dos Territórios, do Distrito Federal ou dos Municípios, ou das respectivas
autarquias;
-
obter empréstimos nas autarquias, sociedades de economia mista, caixas
econômicas federais ou estaduais, nos institutos e caixas de previdência
social, bem como em qualquer estabelecimento de crédito mantido pelo governo,
ou de cuja administração este participe, e com essas entidades celebrar
contratos;
-
obter passaporte ou carteira de identidade;
-
renovar matrícula em estabelecimento de ensino oficial ou fiscalizado pelo
governo;
-
praticar qualquer ato para o qual se exija quitação do serviço militar ou
imposto de renda.
(...).
Tendo em conta que às normas
restritivas de direito dar-se-á interpretação restritiva, reputo, como
conclusão, que se harmoniza com o ordenamento constitucional a de que outros
óbices ao exercício de atos da vida civil, como o noticiado nestes autos, de exigir-se
a quitação eleitoral para a obtenção de emprego - sem explícito amparo em
lei -, representa ofensa a garantia fundamental, pelo que se contém no art. 5°,
li, da Constituição da República.
Em
síntese, incompassível se revela - diante do quadro delineado pelo art. 15,
Ili, da Carta Magna - com o ordenamento jurídico, no contexto fático destes
autos, qualquer exigência de documentos expedidos pela Justiça Eleitoral que
desborde da simples certificação da situação eleitoral (suspensão de direitos
políticos), à qual se acrescerá a natureza da restrição e
o impedimento, no curso de sua vigência, do exercício do voto e da
regularização da inscrição.
Meu
voto, portanto, Senhor Presidente, é para que o atendimento à orientação ora
firmada se faça pela utilização, na hipótese noticiada pela Corregedoria
Regional Eleitoral do Maranhão, de certidão com o teor acima enunciado, em
modelo já existente no sistema de alistamento eleitoral (Sistema Elo), a
contemplar tanto os apenados ainda não detentores de título eleitoral como os
sentenciados com o status de eleitores,
expedindo-se imediata comunicação aos tribunais regionais e oficiando-se à
Presidência do Conselho Nacional de Justiça.
O Tribunal Regional Eleitoral
do Rio de Janeiro – TRE/RJ na esteira do Tribunal Superior Eleitoral – TSE também
decidiu:
“MANDADO
DE SEGURANÇA Nº 54-12.2012.6.19.0000
IMPETRANTE
ADVOGADO IMPETRADO
MANDADO
DE SEGURANÇA. REQUERIMENTO DE CERTIDÃO DE QUITAÇÃO ELEITORAL DESTINADO À
OBTENÇÃO DE PASSAPORTE. APRESENTAÇÃO DAS CONTAS DE CAMPANHA APÓS O JULGAMENTO
COMO NÃO PRESTADAS. CONCESSÃO PARCIAL DA ORDEM.
O
julgamento das contas de campanha como não prestadas impede a emissão de
certidão de quitação eleitoral no curso
do mandato ao qual o candidato
concorreu (art. 42 da Res. TSE 22.715/2008),
ainda que haja posterior
apresentação das contas.
Consoante entendimento firmado por
esta Corte, no julgamento do RE 710-03 e do MS 776-80, o conceito de quitação
eleitoral delineado pelo artigo 11, §72, da Lei 9.504/97 está intrinsecamente
relacionado ao jus honorum, ou seja, possui cunho eleitoral, não cabendo a
extensão de seus efeitos restritivos ao exercício de direitos civis.
Por
conseguinte, admite-se a expedição de certidão circunstanciada ao eleitor não
quite com a Justiça Eleitoral, reconhecendo-se a regularidade no exercício do voto, para o
fim de atender a exigências específicas, relacionadas à prática de atos da vida
civil, como a obtenção de passaporte, caso discutido nos
autos.
Concessão
parcial da segurança.
ACORDAM
os Membros do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro, por unanimidade,
em conceder parcialmente a
segurança, nos termos do voto do relator.
Sala
de Sessões do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro.
Como se pode ver a
jurisprudência pátria explicita que o conteúdo da certidão é de “cunho eleitoral, não cabendo a extensão de
seus efeitos restritivos ao exercício de direitos civis”.[6]
A Justiça Eleitoral prevê a
possibilidade de expedição de certidão circunstanciada, o que possibilita constar
as especificidades dos casos.
O TRE/SP editou orientação nas
eleições de 2014 que exemplifica os procedimentos de expedição de certidão
circunstanciada, que é também utilizado nos demais tribunais regionais:
“A
existência de pendências com a Justiça Eleitoral não impede a obtenção de
certidão circunstanciada a ser fornecida pelo cartório eleitoral, que reproduza
fielmente a situação do interessado, no momento do requerimento, no Cadastro
Nacional de Eleitores, nos assentamentos do Cartório Eleitoral e, se for o
caso, na Base de Perda e Suspensão de Direitos Políticos.
A
certidão circunstanciada poderá ser expedida pelo sistema ELO ou pela intranet
no menu Cartórios/Modelos da CRE.
Nos
casos de parcelamento da multa eleitoral, o devedor poderá solicitar ao juiz
certidão circunstanciada com efeito de quitação eleitoral, desde que as
parcelas vencidas estejam pagas4.
Nesses
casos, deverá ser utilizado o Modelo CRE-19.
Quando
o recolhimento da multa inscrita em dívida ativa ocorrer perante a Fazenda Nacional, o
fornecimento da certidão de quitação estará condicionado à apresentação de guia
da multa paga ou de certidão do referido órgão fazendário, específicos para o
débito apurado pelo cartório eleitoral.
No
período de fechamento do Cadastro Nacional de Eleitores, poderá ser fornecida
certidão circunstanciada constante do sistema ELO e/ou da intranet deste
Tribunal no menu Cartórios/Modelos da CRE, observando-se cada situação,
conforme indicado a seguir.
Modelo
CRE - 09: poderá ser fornecida aos eleitores com inscrição suspensa.
Nesse caso, orientar
o eleitor a
apresentar os documentos que comprovem a cessação dos motivos que ocasionaram a suspensão.
Modelo
CRE – 12 (com prazo de validade até a reabertura do Cadastro Nacional de
Eleitores): poderá ser fornecida aos eleitores
com inscrição cancelada (exceto pelo código de ASE 027, motivos/formas 1
e 2), após o recolhimento ou dispensa das multas devidas e constatada a ausência
de outras pendências.
Modelo
CRE – 13: poderá ser fornecida às pessoas
não inscritas como eleitoras e
que procurem o cartório para requerer o alistamento.
Modelo
CRE - 24: poderá ser fornecida aos eleitores em situação regular, desde que
ausentes ou regularizadas quaisquer pendências com a Justiça Eleitoral, e
também nos casos de terceiro que não possua autorização do eleitor.
Modelo
CRE - 28: poderá ser fornecida aos eleitores com inscrição suspensa, desde que
comprovada a cessação dos motivos que ocasionaram a suspensão, bem como o recolhimento
de multas devidas, se for o caso, e
ausentes outras pendências.
Modelo
CRE - 29: poderá ser fornecida aos eleitores com inscrição regular e com
registro de inabilitação para o exercício de função pública (ASE 515) ou
inelegibilidade (ASE 540), desde que comprovada a cessação dos motivos que
ocasionaram a inabilitação/inelegibilidade, bem como o recolhimento de multas
devidas, se for o caso, e ausentes outras pendências.
Modelo
CRE - 30: poderá ser fornecida às pessoas com
registro de perda ou suspensão de direitos políticos em situação “ATIVO”
na Base de Perda e Suspensão de Direitos Políticos. Nesse caso, orientar o
interessado a apresentar os documentos que comprovem a cessação dos motivos que
ocasionaram a perda/suspensão.”[7]
Nesta esteira destaca-se a
decisão monocrática da juíza ANA HELENA ALVES PORCEL RONKOSKI da 29a
Zona Eleitoral de São José do Rio Claro, Mato Grosso, reconhecendo a
delimitação aqui discorrida.
“Ante
o exposto, considerando que a requerente, XXXXXXX, não se encontra quite com a
Justiça Eleitoral, INDEFIRO a emissão de certidão de quitação eleitoral, visto
não ser o caso. Não obstante, AUTORIZO a expedição de certidão circunstanciada
indicando a atual situação eleitoral da requerente no Cadastro Nacional de
Eleitores, em especial a informação de que a eleitora se encontra regular no
exercício do voto, se for o caso, não obstante não esteja quite com a justiça
eleitoral, face à ausência de prestação de contas quando candidata à vereadora
nas eleições de 2012.”[8]
A justa decisão da magistrada,
preservando livres os direitos da requerente tocante aos atos da vida civil,
ordenou a expedição de certidão circunstanciada no seguintes termos:
“Certifico
que, de acordo com os assentamentos do Cartório Eleitoral e com o que dispõe a
Res. TSE nº 21.823/2004, o (a) eleitor (a) abaixo qualificado (a) não está
quite com a Justiça Eleitoral na presente data em razão de irregularidade na
prestação de contas. Todavia, a eleitora se encontra no regular exercício do
voto, para o fim de atender às exigências específicas relacionadas à pratica de
atos da vida civil, como posse em concurso público.”[9]
Portanto, a falta de quitação
eleitoral não pode impedir que os cidadãos brasileiros pratiquem livremente os
atos da vida civil, devendo restringir-se àquela seara.
*JOSÉ LUÍS BLASZAK, advogado eleitoralista, juiz membro do TRE/MT – biênio 2012/2014.
[1]
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9504.htm
[2]
idem
[3]
Processo Administrativo nº 51920, Resolução nº 23241 de 23/03/2010, Relator(a)
Min. FELIX FISCHER, Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Data
10/5/2010, Página 34 RJTSE - Revista de jurisprudência do TSE, Volume 21, Tomo
2, Data 23/3/2010, Página 397
[4]
idem
[5]
http://tre-rj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/23146247/mandado-de-seguranca-ms-5412-rj-trerj/inteiro-teor-111595544
[6]
idem
[7]
http://www.justicaeleitoral.jus.br/arquivos/tre-sp-normas-de-servico-cre-cap-viii-quitacao-eleitoral
[9]
idem