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terça-feira, 29 de março de 2016

OS LIMITES DOS EFEITOS DA FALTA DE QUITAÇÃO ELEITORAL

*José Luís Blaszak
O comando positivo da norma delimita didaticamente a quitação eleitoral. O § 7º do artigo 10 da Lei nº 9.504/97 expressa, verbis:
“A certidão de quitação eleitoral abrangerá exclusivamente a plenitude do gozo dos direitos políticos, o regular exercício do voto, o atendimento a convocações da Justiça Eleitoral para auxiliar os trabalhos relativos ao pleito, a inexistência de multas aplicadas, em caráter definitivo, pela Justiça Eleitoral e não remitidas, e a apresentação de contas de campanha eleitoral.”[1] 
O § 8º do mesmo artigo diz que considerar-se-ão quites aqueles que:
“I - condenados ao pagamento de multa, tenham, até a data da formalização do seu pedido de registro de candidatura, comprovado o pagamento ou o parcelamento da dívida regularmente cumprido;       
II - pagarem a multa que lhes couber individualmente, excluindo-se qualquer modalidade de responsabilidade solidária, mesmo quando imposta concomitantemente com outros candidatos e em razão do mesmo fato.        
III - o parcelamento das multas eleitorais é direito do cidadão, seja ele eleitor ou candidato, e dos partidos políticos, podendo ser parceladas em até 60 (sessenta) meses, desde que não ultrapasse o limite de 10% (dez por cento) de sua renda.”[2]
O descumprimento do que é delimitado no §7º gera irregularidade suficiente para pendências com a Justiça Eleitoral. Estas pendências ficam registradas nos cartórios das zonas eleitorais, impedindo a expedição de certidão de quitação eleitoral.
O §8º abre exceção com referência às irregularidades com penas de multas.
Na seara eleitoral a ausência de condições de registrabilidade é a consequência mais grave pela falta de quitação.
Há tempo se comete graves equívocos referente ao alcance dos efeitos da falta de quitação eleitoral. O maior deles é a extrapolação dos efeitos para a vida civil. É comum atos abusivos decorrentes de uma errada hermenêutica.
Constantemente se vê a administração pública negar posse a candidatos aprovados em concursos públicos por conta da falta de quitação eleitoral, ou ainda, negar a expedição de passaporte.
O Tribunal Superior Eleitoral já sacramentou a matéria, firmando jurisprudência no sentido de que os efeitos da falta de quitação  deve se limitar à esfera eleitoral.
Vejamos.
“QUITAÇÃO ELEITORAL. SUSPENSÃO DE DIREITOS POLÍTICOS. CONDENAÇÃO CRIMINAL DEFINITIVA. EFEITOS. IMPOSSIBILIDADE. IMPEDIMENTOS. ATOS DA VIDA CIVIL. LEGISLAÇÃO ELEITORAL. APLICAÇÃO RESTRITIVA. LEGALIDADE ESTRITA. POSSIBILIDADE. FORNECIMENTO. CERTIDÃO. SITUAÇÃO ELEITORAL.
 A restrição ao fornecimento de quitação eleitoral ao condenado criminalmente por decisão irrecorrível decorre do alcance do instituto, positivado pelo legislador ordinário, conforme a orientação inicialmente fixada pelo Tribunal Superior Eleitoral (Res.-TSE nº 21.823, de 15 de junho de 2004), a contemplar, entre outros requisitos, a plenitude do gozo dos direitos políticos.
 A exigência de documentos originários da Justiça Eleitoral como condição para o exercício de atos da vida civil, à margem dos impedimentos legalmente estabelecidos em razão do descumprimento das obrigações relativas ao voto, representa ofensa a garantia fundamental, haja vista o caráter restritivo das aludidas normas.
Possibilidade de fornecimento, pela Justiça Eleitoral, de certidões que reflitam a suspensão de direitos políticos, das quais constem a natureza da restrição e o impedimento, durante a sua vigência, do exercício do voto e da regularização da situação eleitoral.”[3]
Extrai-se do destacado voto do eminente Ministro FELIX FISCHER, as seguintes assertivas, verbis:
“O conceito de quitação eleitoral, por seu turno, definido inicialmente em resolução deste Tribunal (Res.-TSE nº 21.823, de 15 de junho de 2004), posteriormente, foi positivado pelo legislador ordinário, passando a dispor o § 7° do art.  11 da  Lei    9.504,  de  1997,  acrescentado  pela  Lei nº 12.034, de 29 de setembro de 2009:
Art. 11. (...)
(...)
§ 7° A certidão de quitação eleitoral abrangerá exclusivamente a plenitude do gozo dos direitos políticos, o regular exercício do voto, o atendimento a convocações da Justiça Eleitoral para auxiliar os trabalhos relativos ao pleito, a inexistência de multas aplicadas, em caráter definitivo, pela Justiça Eleitoral e não remitidas, e a apresentação  de contas de campanha  eleitoral.
Relativamente ao entrave posto à inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) perante a Receita Federal, de igual  modo  indicado como documento exigido para a obtenção da vaga de trabalho, consoante também esclarece a informação da Corregedoria-Geral , a propna regulamentação daquele órgão, consubstanciada na Instrução Normativa RFB nº 864, de 25 de julho de 2008, admite a realização de inscrições de ofício, entre outras hipóteses, por determinação judicial (art. 11, V). Bastará, portanto, quanto ao ponto, decisão do juízo da execução penal ordenando a expedição do CPF aos beneficiados com o programa.
Observo ainda, em derradeira análise, que as limitações ao gozo de direitos na órbita civil, estabelecidas pela legislação eleitoral em face do não cumprimento da obrigação relativa ao exercício do voto, da satisfação da multa correspondente ou da apresentação de justificativa para a falta, se restringem aos contornos do § 1° do art. 7° do Código Eleitoral, que assim dispõe:
Art. 7° (...)
§ 1° Sem a prova de que votou na última eleição, pagou a respectiva multa ou de que se justificou devidamente, não poderá o eleitor:
I - inscrever-se em concurso ou prova para cargo ou função pública, investir-se ou empossar-se neles;
II - receber vencimentos, remuneração, salário ou proventos de função ou emprego público, autárquico ou para estatal, bem como fundações governamentais, empresas, institutos e sociedades de qualquer natureza, mantidas ou subvencionadas pelo governo ou que exerçam serviço público delegado, correspondentes ao segundo mês subseqüente ao da eleição;
III - participar de concorrência pública ou administrativa da União, dos Estados, dos Territórios, do Distrito Federal ou dos Municípios, ou das respectivas autarquias;
- obter empréstimos nas autarquias, sociedades de economia mista, caixas econômicas federais ou estaduais, nos institutos e caixas de previdência social, bem como em qualquer estabelecimento de crédito mantido pelo governo, ou de cuja administração este participe, e com essas entidades celebrar contratos;
- obter passaporte ou carteira de identidade;
- renovar matrícula em estabelecimento de ensino oficial ou fiscalizado pelo governo;
- praticar qualquer ato para o qual se exija quitação do serviço militar ou imposto de renda.
(...).
Tendo em conta que às normas restritivas de direito dar-se-á interpretação restritiva, reputo, como conclusão, que se harmoniza com o ordenamento constitucional a de que outros óbices ao exercício de atos da vida civil, como o noticiado nestes autos, de exigir-se a quitação eleitoral para a obtenção de emprego - sem explícito amparo em lei -, representa ofensa a garantia fundamental, pelo que se contém no art. 5°, li, da Constituição da República.
Em síntese, incompassível se revela - diante do quadro delineado pelo art. 15, Ili, da Carta Magna - com o ordenamento jurídico, no contexto fático destes autos, qualquer exigência de documentos expedidos pela Justiça Eleitoral que desborde da simples certificação da situação eleitoral (suspensão de direitos políticos), à qual se acrescerá a natureza da restrição e o impedimento, no curso de sua vigência, do exercício do voto e da regularização da inscrição.
Meu voto, portanto, Senhor Presidente, é para que o atendimento à orientação ora firmada se faça pela utilização, na hipótese noticiada pela Corregedoria Regional Eleitoral do Maranhão, de certidão com o teor acima enunciado, em modelo já existente no sistema de alistamento eleitoral (Sistema Elo), a contemplar tanto os apenados ainda não detentores de título eleitoral como os sentenciados com o status de  eleitores, expedindo-se imediata comunicação aos tribunais regionais e oficiando-se à Presidência do Conselho Nacional de Justiça.
É como voto.”[4]
O Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro – TRE/RJ na esteira do Tribunal Superior Eleitoral – TSE também decidiu:
“MANDADO DE SEGURANÇA  Nº 54-12.2012.6.19.0000
IMPETRANTE ADVOGADO IMPETRADO
MANDADO DE SEGURANÇA. REQUERIMENTO DE CERTIDÃO DE QUITAÇÃO ELEITORAL DESTINADO À OBTENÇÃO DE PASSAPORTE. APRESENTAÇÃO DAS CONTAS DE CAMPANHA APÓS O JULGAMENTO COMO NÃO PRESTADAS. CONCESSÃO PARCIAL DA ORDEM.
O julgamento das contas de campanha como não prestadas impede a emissão de certidão de quitação eleitoral  no curso do mandato ao qual   o candidato concorreu (art. 42 da Res. TSE 22.715/2008),  ainda  que haja posterior apresentação das contas.
Consoante entendimento firmado por esta Corte, no julgamento do RE 710-03 e do MS 776-80, o conceito de quitação eleitoral delineado pelo artigo 11, §72, da Lei 9.504/97 está intrinsecamente relacionado ao jus honorum, ou seja, possui cunho eleitoral, não cabendo a extensão de seus efeitos restritivos ao exercício de direitos  civis.
Por conseguinte, admite-se a expedição de certidão circunstanciada ao eleitor não quite com a Justiça  Eleitoral,  reconhecendo-se  a regularidade no exercício do voto, para o fim de atender a exigências específicas, relacionadas à prática de atos da vida civil, como  a  obtenção de passaporte, caso discutido nos autos.
Concessão parcial da segurança.
ACORDAM os Membros do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro, por unanimidade, em conceder  parcialmente a segurança,  nos termos do voto do  relator.
Sala de Sessões do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro.
Rio de Janeiro,  24 de  maio de  2012.”[5]

Como se pode ver a jurisprudência pátria explicita que o conteúdo da certidão é de “cunho eleitoral, não cabendo a extensão de seus efeitos restritivos ao exercício de direitos  civis”.[6]
A Justiça Eleitoral prevê a possibilidade de expedição de certidão circunstanciada, o que possibilita constar as especificidades dos casos.
O TRE/SP editou orientação nas eleições de 2014 que exemplifica os procedimentos de expedição de certidão circunstanciada, que é também utilizado nos demais tribunais regionais:

“A existência de pendências com a Justiça Eleitoral não impede a obtenção de certidão circunstanciada a ser fornecida pelo cartório eleitoral, que reproduza fielmente a situação do interessado, no momento do requerimento, no Cadastro Nacional de Eleitores, nos assentamentos do Cartório Eleitoral e, se for o caso, na Base de Perda e Suspensão de Direitos Políticos.
A certidão circunstanciada poderá ser expedida pelo sistema ELO ou pela intranet no menu Cartórios/Modelos da CRE.
Nos casos de parcelamento da multa eleitoral, o devedor poderá solicitar ao juiz certidão circunstanciada com efeito de quitação eleitoral, desde que as parcelas vencidas estejam pagas4.
Nesses casos, deverá ser utilizado o Modelo CRE-19.
Quando o recolhimento da multa inscrita em dívida ativa  ocorrer perante a Fazenda Nacional, o fornecimento da certidão de quitação estará condicionado à apresentação de guia da multa paga ou de certidão do referido órgão fazendário, específicos para o débito apurado pelo cartório eleitoral.
No período de fechamento do Cadastro Nacional de Eleitores, poderá ser fornecida certidão circunstanciada constante do sistema ELO e/ou da intranet deste Tribunal no menu Cartórios/Modelos da CRE, observando-se cada situação, conforme indicado a seguir.
Modelo CRE - 09: poderá ser fornecida aos eleitores com inscrição  suspensa.  Nesse  caso,  orientar  o  eleitor  a  apresentar os documentos que comprovem a cessação dos motivos  que ocasionaram a suspensão.
Modelo CRE – 12 (com prazo de validade até a reabertura do Cadastro Nacional de Eleitores): poderá ser fornecida aos eleitores  com inscrição cancelada (exceto pelo código de ASE 027, motivos/formas 1 e 2), após o recolhimento ou dispensa das multas devidas e constatada a ausência de outras pendências.
Modelo CRE – 13: poderá ser fornecida às pessoas  não  inscritas como eleitoras e que procurem o cartório para requerer o alistamento.
Modelo CRE - 24: poderá ser fornecida aos eleitores em situação regular, desde que ausentes ou regularizadas quaisquer pendências com a Justiça Eleitoral, e também nos casos de terceiro que não possua autorização do eleitor.
Modelo CRE - 28: poderá ser fornecida aos eleitores com inscrição suspensa, desde que comprovada a cessação dos motivos que ocasionaram a suspensão, bem como o recolhimento de multas devidas, se for o caso, e  ausentes outras pendências.
Modelo CRE - 29: poderá ser fornecida aos eleitores com inscrição regular e com registro de inabilitação para o exercício de função pública (ASE 515) ou inelegibilidade (ASE 540), desde que comprovada a cessação dos motivos que ocasionaram a inabilitação/inelegibilidade, bem como o recolhimento de multas devidas, se for o caso, e ausentes outras pendências.
Modelo CRE - 30: poderá ser fornecida às pessoas com  registro de perda ou suspensão de direitos políticos em situação “ATIVO” na Base de Perda e Suspensão de Direitos Políticos. Nesse caso, orientar o interessado a apresentar os documentos que comprovem a cessação dos motivos que ocasionaram a perda/suspensão.”[7]
Nesta esteira destaca-se a decisão monocrática da juíza ANA HELENA ALVES PORCEL RONKOSKI da 29a Zona Eleitoral de São José do Rio Claro, Mato Grosso, reconhecendo a delimitação aqui discorrida.
“Ante o exposto, considerando que a requerente, XXXXXXX, não se encontra quite com a Justiça Eleitoral, INDEFIRO a emissão de certidão de quitação eleitoral, visto não ser o caso. Não obstante, AUTORIZO a expedição de certidão circunstanciada indicando a atual situação eleitoral da requerente no Cadastro Nacional de Eleitores, em especial a informação de que a eleitora se encontra regular no exercício do voto, se for o caso, não obstante não esteja quite com a justiça eleitoral, face à ausência de prestação de contas quando candidata à vereadora nas eleições de 2012.”[8]
A justa decisão da magistrada, preservando livres os direitos da requerente tocante aos atos da vida civil, ordenou a expedição de certidão circunstanciada no seguintes termos:
“Certifico que, de acordo com os assentamentos do Cartório Eleitoral e com o que dispõe a Res. TSE nº 21.823/2004, o (a) eleitor (a) abaixo qualificado (a) não está quite com a Justiça Eleitoral na presente data em razão de irregularidade na prestação de contas. Todavia, a eleitora se encontra no regular exercício do voto, para o fim de atender às exigências específicas relacionadas à pratica de atos da vida civil, como posse em concurso público.”[9]
Portanto, a falta de quitação eleitoral não pode impedir que os cidadãos brasileiros pratiquem livremente os atos da vida civil, devendo restringir-se àquela seara.
*JOSÉ LUÍS BLASZAK, advogado eleitoralista, juiz membro do TRE/MT – biênio 2012/2014.


[1] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9504.htm
[2] idem
[3] Processo Administrativo nº 51920, Resolução nº 23241 de 23/03/2010, Relator(a) Min. FELIX FISCHER, Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Data 10/5/2010, Página 34 RJTSE - Revista de jurisprudência do TSE, Volume 21, Tomo 2, Data 23/3/2010, Página 397
[4] idem
[5] http://tre-rj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/23146247/mandado-de-seguranca-ms-5412-rj-trerj/inteiro-teor-111595544
[6] idem
[7] http://www.justicaeleitoral.jus.br/arquivos/tre-sp-normas-de-servico-cre-cap-viii-quitacao-eleitoral
[8] SADP - Acompanhamento processual - 4.792/2016 – 29a Zona Eleitoral – São José do Rio Claro/MT

[9] idem

terça-feira, 22 de março de 2016

A INCONVENIÊNCIA DOS TACs ELEITORAIS


*José Luís Blaszak

Os Termos de Ajustamento de Condutas Eleitorais têm sido utilizados como instrumentos coercitivos nas eleições brasileiras, especialmente no tocante à propaganda. Após um tempo razoável de utilização destes instrumentos é momento de refletir a sua aplicabilidade.

Inicialmente, é de suma importância rememorar que as eleições diretas no nosso país foram conquistadas a “ferro e fogo”, emprestando a expressão do autor Josué Guimarães. Não foi nada fácil. Não precisamos resgatar as minúcias desta conquista, pois são de amplo conhecimento. Quem viveu, comemora até hoje.

É do verbo “comemorar” que as eleições diretas no nosso país têm sua raiz e, por consequência devem ser um evento de alta propagação, revestidas de simbologia, de liturgia festiva e popular, indutivas à democracia. Seus propósitos estão longe de ser um conjunto de manifestações calculistas, frias, distantes da participação geral, restritas às cartilhas, de compromissos sob Termos de Ajustamento de Condutas.

Em 1997 o legislador pátrio, examinando o Código Eleitoral de 1965, percebeu que o código estava deveras afastado da contextualização eleitoral. Cunhou-se, então, a Lei das Eleições – Lei nº 9.504/1997. Dentre outros temas, nela se fixou o regramento da propaganda eleitoral. Adicionado ao regramento da Lei das Eleições, o TSE passou a editar as resoluções para cada tema e a cada eleição. Deve-se considerar, ainda, o período das leis temporárias, vigentes antes da Lei nº 9.504/97, que vigiam apenas para cada pleito.

Precede às eleições um período de ampla discussão, de propagação de propostas, de embates de ideias, de demonstração de eloquência dos seus interlocutores, enfim, de uma ampla plataforma de campanha eleitoral. Campanha eleitoral significa colocar nas ruas todas as estratégias criadas nos comitês eleitorais, incluindo propostas e material de divulgação. A legislação permite a propaganda eleitoral de forma ampla por meio de abordagens formais, das mídias de propaganda e de marketing político. É dar sentido verdadeiro ao termo propaganda na seara eleitoral. Isso tudo, a fim de que o eleitor avalie um a um os candidatos, para depois, na urna, votar naquele que lhe pareça a melhor opção. Isso se concretizou por alguns anos. 

Porém, nas eleições municipais de 2008, ou seja, somente onze anos após o advento da Lei das Eleições, surgiu por iniciativa do Ministério Público Eleitoral um instrumento coercitivo para alterar substancialmente a prática da propaganda eleitoral, qual seja, o Termo de Ajustamento de Conduta Eleitoral.
A título de exemplificação, para comprovar o quanto os Termos de Ajustamento de Condutas são restritivos, vê-se o que está estampado no site da Procuradoria Regional Eleitoral do Paraná, em relação às eleições municipais de 2012: 

“MP, Justiça e partidos firmam TAC para evitar abusos durante a campanha eleitoral em Guaíra

A Promotoria de Justiça em Guaíra (região Oeste do Paraná), o Juízo da Comarca e os partidos e coligações no município firmaram Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), nesta quinta-feira (26 de julho), para definir os limites da propaganda durante o período eleitoral.

A representante do MP-PR no TAC é a promotora de Justiça Silvia Leme Corrêa. O acordo vai vigorar durante toda a campanha e contempla a proibição de pintura em muros, fachadas ou portões de imóveis particulares (mesmo que o proprietário autorize), além de vedar a propaganda em placas, faixas, cavaletes, bandeiras e similares nas vias públicas. Também ficam proibidas as carreatas e passeatas no município.

Por outro lado, o TAC permite a realização de propaganda em carros de som, mas apenas no período entre 15h e 20h.

Em relação à propaganda na véspera das eleições, o acordo estabelece que as coligações terão que fazer a entrega do material não utilizado na campanha entre 17h e 18h do dia 6 de outubro, na sede do Fórum Eleitoral.

As coligações também se comprometem a não veicular propaganda eleitoral por meio de impressos (santinhos, panfletos, jornais e similares) no dia da eleição (7 de outubro).

A desobediência implicará em multa de R$ 5 mil, valor a ser revertido em favor do Fundo de Meio Ambiente.”[1]

Destaca-se da nota: 

“O acordo vai vigorar durante toda a campanha e contempla a proibição de pintura em muros, fachadas ou portões de imóveis particulares (mesmo que o proprietário autorize), além de vedar a propaganda em placas, faixas, cavaletes, bandeiras e similares nas vias públicas. Também ficam proibidas as carreatas e passeatas no município.”[2].

É conclusivo que praticamente nada pode ser feito em termos de propaganda eleitoral a partir da aceitação deste TAC. Frisa-se, em muitos estados da federação tem sido utilizado deste modelo de conteúdo de TACs.

Além da lembrança ditatorial, uma vez que é imposto aos candidatos de forma unilateral, constrangedora, retrocedendo aos tempos de controle, tal instrumento se mostra totalmente anômalo, pois sua aplicabilidade acontece antes mesmo de quaisquer irregularidades praticadas. Não há lei alguma de cunho eleitoral com previsão de tal instrumento.

A inspiração dos TACs pode ser obtida no site do Conselho Nacional do Ministério Público – CNMP que lá estampa: “O termo de ajustamento de conduta é um acordo que o Ministério Público celebra com o violador de determinado direito coletivo. Este instrumento tem a finalidade de impedir a continuidade da situação de ilegalidade, reparar o dano ao direito coletivo e evitar a ação judicial.”[3]. (nosso grifo)

O CNMP aborda os termos de ajustamento sob a ótica da violação, de impedir a continuidade de situação de ilegalidade, enquanto no direito eleitoral nada disso é realidade. A aplicabilidade dos TACs eleitorais não pressupõe uma conduta irregular, ilícita. A incongruência está no fato de que na esfera eleitoral os termos são realizados antes de qualquer conduta ser praticada. Então, a lógica induz ao pensamento de que se não há conduta violadora não há que se falar em termos de ajustamento de conduta.

Diz ainda o CNMP: 

“O termo de ajustamento de conduta está previsto no § 6º do art. 5º da Lei 7347/85 e no art. 14 da Recomendação do CNMP nº 16/10:

Lei nº 7.347/85, § 6° - Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial.

Recomendação do CNMP nº 16/10, art. 14 - O Ministério Público poderá firmar compromisso de ajustamento de conduta, nos casos previstos em lei, com o responsável pela ameaça ou lesão aos interesses ou direitos mencionados no artigo 1º desta Resolução, visando à reparação do dano, à adequação da conduta às exigências legais ou normativas e, ainda, à compensação e/ou à indenização pelos danos que não possam ser recuperados.” [4] (grifo nosso)

Destaca-se, que o próprio CNMP recomenda a necessidade de previsão legal para a utilização de termos de ajustamento. Fica claro e evidente que a manifestação do CNMP diz respeito à lei das ações civis públicas. Portanto, sem nenhuma relação com o direito eleitoral, uma vez que não há previsão de ação civil pública no ordenamento eleitoral.

O Desembargador LEONEL CARLOS DA COSTA do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em artigo, alerta sobre os limites da aplicação dos TACs, levando o leitor eleitoralista a concluir que não há elementos suficientes para autorizar a sua prática nesta seara.

“Mas até que ponto esses TACs podem ser feitos e penetrar no campo da liberdade individual, de trabalho, do exercício livre da atividade econômica ou da liberdade de pensamento e direito autoral?

Em sua atuação constitucional positiva de defesa da ordem jurídica e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127 da CF), a instituição do Ministério Público tem se utilizado do Termo de Ajuste de Conduta como instrumento efetivo dessa missão constitucional com muita frequência, normalmente no contexto de um inquérito civil (art. 129, III da CF), mas que não deve desbordar dessa função teleológica primária que a Constituição Federal lhe cobra, evitando o risco de ilegalidade ou abuso a serem identificados eventualmente no controle jurisdicional.

O instrumento jurídico do Compromisso de Ajustamento de Conduta, também conhecido como Termo de Ajuste de Conduta (TAC), foi primeiramente criado pelo art. 211 do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA (Lei n. 8.069/90) [1] e, depois, pelo art. 113 do Código de Defesa do Consumidor - CDC (Lei n. 8.078/90), que acrescentou o § 6º ao art. 5º da Lei da Ação Civil Pública (Lei n. 7.347/85)[2]

Por meio dele, o órgão público legitimado à ação civil pública toma do causador do dano – ainda quem em potencial - a interesses difusos, interesses coletivos ou interesses individuais homogêneos o compromisso de adequar sua conduta às exigências da lei, mediante cominações, que têm o caráter de título executivo extrajudicial.”[5]

Diz ainda o desembargador, afirmando a necessidade de previsão legal para a adoção de TACs:

“Mas o chamado TAC- Termo de Ajustamento de Conduta é meio excepcional de transação, somente cabível nos casos expressamente autorizados pela lei, com o intuito de permitir ao potencial agressor de direitos difusos, coletivos ou transindividuais de atender e se adequar ao interesse tutelado, tão somente em situações de nebuloso desenho normativo ou que demande contornos a serem melhor definidos.

Com certeza, não é raro que existam casos em que nem sempre a legislação tem a completa previsibilidade de todos os pormenores e da dinâmica própria das práticas comerciais ou contratuais relativas aos interesses difusos e ou coletivos, difíceis na maioria das vezes de manejo na sua tutela judicial e complexa ou quase impossível de efetivação.

Assim, não é meio adequado o TAC para dar solução já claramente definida e regulada de forma exauriente pela normatividade   positiva, nem se presta a alforriar o infrator da lei às sanções por ela cominadas, não se prestando como meio de atuação política, perseguição ou de favorecimento, não se devendo abrir espaço para conjecturas que coloquem em dúvida os ilibados motivos e fins determinantes de sua proposta.”[6]

O professor HUGO NIGRO MAZZILLI chama a atenção em artigo que os TACs somente podem ser realizados por órgãos legitimados à ação civil pública ou coletiva.

“Só podem tomar o compromisso de ajustamento de conduta os órgãos públicos legitimados à ação civil pública ou coletiva.

Isso significa que não são todos os legitimados à ação civil pública ou coletiva que podem tomar compromisso de ajustamento, mas só aqueles que somam à sua condição de legitimados ativos a condição de órgãos públicos.”[7]

Isso significa que os TACs não são instrumentos apropriados para a seara eleitoral, uma vez ausente nela a previsão legal de ação civil pública. O Ministério Público Eleitoral não pode emprestar da lei de ação civil pública a legalidade dos TACs. 

O professor HUGO NIGRO MAZZILLI aborda ainda a natureza jurídica dos TACs o que corrobora com a tese da inadequação dos TAC na seara eleitoral.

“Natureza jurídica - O compromisso de ajustamento de conduta não tem natureza contratual, pois os órgãos públicos que o tomam não têm poder de disposição. Assim, não podem ser considerados uma verdadeira e própria transação, porque a transação importa poder de disponibilidade, e os órgãos públicos legitimados à ação civil pública ou coletiva, posto tenham disponibilidade do conteúdo processual da lide (como de resto é comum aos legitimados de ofício, como substitutos processuais que são), não detêm disponibilidade sobre o próprio direito material controvertido. Nesse sentido, o art. 841 do Código Civil corretamente dispõe que “só quanto a direitos patrimoniais de caráter privado se permite a transação”.

Assim, o compromisso de ajustamento de conduta é antes um ato administrativo negocial (negócio jurídico de Direito Público), que consubstancia uma declaração de vontade do Poder Público coincidente com a do particular (o causador do dano, que concorda em adequar sua conduta às exigências da lei).

Assim, não podem os órgãos públicos legitimados dispensar direitos ou obrigações, nem renunciar a direitos, mas devem limitar-se a tomar, do causador do dano, obrigação de fazer ou não fazer (ou seja, a obrigação de que este torne sua conduta adequada às exigências da lei). Podem tais compromissos conter obrigações pecuniárias, mas, dados os contornos que a lei lhes deu, não devem ser estas o objeto principal do compromisso, mas sim devem ter caráter de sanção em caso de descumprimento da obrigação de comportamento assumida.”[8]

Logo, é evidente que a natureza jurídica dos TACs não coaduna com o direito eleitoral.

O Tribunal Superior Eleitoral já sepultou a possibilidade de utilização dos TACs eleitorais. Vejamos.

Representação eleitoral. Descumprimento de termo de ajustamento de conduta.
 1. A realização de termos de ajustamento de conduta previstos no art. 5º, § 6º, da Lei nº 7.347/85 não é admitida para regular atos e comportamentos durante a campanha eleitoral, consoante dispõe o art. 105-A da Lei nº 9.504/97.
 2. A regulamentação da propaganda eleitoral não pode ser realizada por meio de ajuste de comportamento realizado por partidos, coligações ou candidatos, ainda que na presença do Ministério Público e do Juiz Eleitoral, nos quais sejam estipuladas sanções diferentes daquelas previstas na legislação eleitoral.
 3. A pretensão de impor sanção que não tenha previsão legal e cuja destinação não respeite a prevista na legislação vigente é juridicamente impossível.
 Recurso especial parcialmente provido para extinguir, sem julgamento do mérito, a representação, desprovido o pedido de reconhecimento de litigância de má-fé.
(Recurso Especial Eleitoral nº 32231, Acórdão de 08/05/2014, Relator(a) Min. HENRIQUE NEVES DA SILVA, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 100, Data 30/05/2014, Página 60 )[9] (grifo nosso)


ELEIÇÕES 2004. Recurso especial eleitoral. Incompetência da Justiça Eleitoral para processar e julgar representação por descumprimento de termo de compromisso de ajustamento de conduta. Recurso ao qual se nega provimento.
(Recurso Especial Eleitoral nº 28478, Acórdão de 01/03/2011, Relator(a) Min. CÁRMEN LÚCIA ANTUNES ROCHA, Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Data 05/05/2011, Página 44 RJTSE - Revista de jurisprudência do TSE, Volume 22, Tomo 2, Data 01/03/2011, Página 54 )[10] (grifo nosso)

Os tribunais regionais seguem a jurisprudência do TSE.

RECURSO ELEITORAL. EXECUÇÃO FIRMADA EM TERMO DE AJUTAMENTO DE CONDUTA. NULIDADE DO TÍTULO. EXTINÇÃO DO PROCESSO DE EXECUÇÃO. IMPROVIMENTO.- É nulo para todos os efeitos o Termo de Ajustamento de Conduta, firmado entre coligações e referendado pelo Ministério Público Eleitoral, que vise restringir direitos relativos à realização de propaganda eleitoral cominando pena de multa pelo descumprimento.
(Prestação de Contas nº 915, Acórdão nº 18566 de 03/11/2009, Relator(a) CÉSAR AUGUSTO BEARSI, Publicação: DEJE - Diário Eletrônico da Justiça Eleitoral, Tomo 532, Data 09/11/2009, Página 1-7 )[11] (grifo nosso)

Lei nº 9.504/97, a chamada Lei das Eleições e as Resoluções editadas pelo Tribunal Superior Eleitoral a cada eleição são suficientes para coibir qualquer irregularidade, ilegalidade e o abuso nas campanhas eleitorais. Não é necessária, em absoluto, a presença deste instrumento coercitivo denominado Termo de Ajustamento de Conduta Eleitoral para dar melhor ordem às campanhas.

Uma vez que a origem dos TACs é a Lei nº 7.347/85 - que disciplina a ação civil pública - é de se ressaltar a expressa proibição dos TACs à luz do art. 105-A da Lei nº 9.504/97, incluído pela Lei nº 12.034/09, verbis:

Art. 105-A.  Em matéria eleitoral, não são aplicáveis os procedimentos previstos na Lei no 7.347, de 24 de julho de 1985.[12]     

A presença dos TACs Eleitorais passou a ser um fator inibidor das manifestações políticas por parte dos candidatos, coligações, partidos, cabos eleitorais, simpatizantes e pelo eleitor. A argumentação de que a população não suportava mais as práticas de propaganda eleitorais não legitima o nascimento de um instrumento sem previsão legal eleitoral e coercitivo.

Se houver necessidade de se adequarem os comportamentos de propaganda eleitoral, deverá se realizar por meio de processo legislativo, modificando a Lei das Eleições. Jamais um termo de ajustamento poderá calar a propaganda eleitoral garantida em lei vigente.

O argumento de que se trata de um acordo não prevalece, tendo em vista que costumeiramente se vê a imposição, a coação na feitura de tais termos. O medo de retaliação, de perseguição, faz os candidatos concordarem em assinar os TACs. Um único candidato que se opõe a assinar o TAC sofrerá, sem dúvida, o peso de sua rebeldia.

Portanto, não resta dúvida da ilegalidade dos Termos de Ajustamento de Condutas Eleitorais, devendo ser rechaçados pelos candidatos, pelos partidos e pelas coligações, tendo em vista a afronta ao art. 105-A da Lei nº 9.504/97, bem como pela dissonância em relação à jurisprudência do TSE. A legislação eleitoral em vigência é suficiente para que as campanhas eleitorais se desenvolvam na mais absoluta normalidade.

*JOSÉ LUÍS BLASZAK, advogado eleitoralista, juiz membro do TRE/MT – biênio 2012/2014.
Email: blaszak@homtail.com






[1] http://www.prepr.mpf.gov.br/noticias/mp-justica-e-partidos-firmam-tac-para-evitar-abusos-durante-a-campanha-eleitoral-em-guaira
[2] idem
[3] http://www.cnmp.gov.br/direitoscoletivos/index.php/4-o-que-e-o-termo-de-ajustamento-de-conduta
[4] idem
[5] COSTA, Leonel Carlos da. Termo de ajustamento de conduta (TAC) e seus limites. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 19, n. 4140,  1 nov. 2014. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/30469>. Acesso em: 8 mar. 2016.
[6] Idem
[7] http://www.mazzilli.com.br/pages/artigos/evolcac.pdf
[8] idem 
[11]http://inter03.tse.jus.br/sadpPush/ExibirDadosProcessoJurisprudencia.do?nproc=915&sgcla=RE&comboTribunal=mt&dataDecisao=03/11/2009
[12] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9504.htm