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quarta-feira, 11 de março de 2015

AS MUDANÇAS NA COMPOSIÇÃO DA JUSTIÇA ELEITORAL E AS REFORMAS POLÍTICA E ELEITORAL


Há tempos defendo modificações nas composições das cortes eleitorais. Duas situações se destacam negativamente no atual modelo: a formação jurídica eleitoral dos membros e a forma de composição das cortes regionais.
É necessário uma composição com razoável experiência e conhecimento da área. Não é de bom alvitre que um membro chegue às cortes sem nenhuma experiência, nem conhecimento da legislação e jurisprudência eleitoral, ou, com passagem remota na primeira instância.
A idéia central é que um membro seja escolhido para colaborar com a justiça, emprestando seus conhecimentos e experiências eleitorais e não o contrário, ou seja, a temporariedade nas cortes como uma escola de formação. Sem contar, ainda, que há casos  que funcionam como prêmio de consolação.
Neste mês acendeu uma luz de esperança para as mudanças em relação às composições das cortes eleitorais regionais e do TSE. O ministro do STF e vice-presidente do TSE Gilmar Mendes trouxe para a pauta de discussão a temática, dizendo em fala no Senado que é necessário “(...) reforçar o papel dos juízes federais na Justiça Eleitoral, dando maior responsabilidade e estabelecer impedimentos aos juízes da classe dos advogados que são a um só tempo advogados e juízes, gerando obviamente situações constrangedoras em todos os níveis... com mandatos curtos por excelência...se faz necessário mandatos mais longos...sem recondução...com salários de desembargador ou do STJ como acontece no CNJ”. A modificação do sistema de pagamentos feito por meio de jeton para subsídio, equiparado a desembargador, possibilitaria a dedicação exclusiva durante o mandato. Proposta defendida por nós há tempos.
Um membro do judiciário eleitoral recebe atualmente, em média, R$4.700,00 (quatro mil e setecentos reais) líquido, considerando o máximo permitido de 8 (oito) sessões mensais. Se considerarmos a responsabilidade da função e a equiparação com as demais cortes de segundo grau o valor é totalmente desproporcional e incabível.
A demanda de processos eleitorais aumentou significativamente na última década e justifica dedicação exclusiva.
Também, é nítida a desproporcionalidade das representações na composição das cortes.
Vejamos
Nos tribunais regionais: 2 (dois) desembargadores estaduais, 2 (dois) juízes estaduais, 2 (dois)  advogados e 1 (um) juiz federal. Os tribunais de justiça estaduais comandam as composições dos 6 (seis) primeiros, prevalecendo, assim, a chamada “vontade da corte”, frente ao isolado juiz federal. Sem contar que neste modelo de composição está descartada a representatividade do ministério público, o qual ganha assento nos tribunais eleitorais unicamente pela ocupação da cadeira do procurador regional eleitoral.
No TSE a proporcionalidade das representações está mais equilibrada, considerando que são 3 (três) ministros do STF, 2 (dois) ministros do STJ e 2 (dois) advogados.
Parece ser inevitável o repensar das cortes regionais, tanto na questão da representatividade de seus membros quanto no modelo administrativo, pois é uma justiça federal administrada por desembargadores estaduais, com servidores federais regidos pela lei nº 8.112/90, com foro de jurisdição na justiça federal, mas com administração nos moldes estaduais.

A reforma política e eleitoral em andamento precisa contemplar estas discussões sob pena de ser mais uma minirreforma.

Link da fala do Ministro Gilmar Mendes no Senado:

http://www.senado.leg.br/noticias/TV/programaListaPadrao.asp?txt_titulo_menu=Resultado%20da%20pesquisa&IND_ACESSO=S&IND_PROGRAMA=&COD_PROGRAMA=9999&COD_VIDEO=392226&ORDEM=0&QUERY=Gilmar+Mendes&pagina=1

JOSÉ LUÍS BLASZAK
Advogado, Professor de Direito Administrativo e Direito Eleitoral, Ex-Juiz Membro do TRE/MT, Membro da Academia Mato-grossense de Direito Constitucional
Email: joseluis@blaszak.adv.br

segunda-feira, 9 de março de 2015

IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA EXIGE DOLO E PROVA DE PREJUÍZO AO ERÁRIO - EX-PREFEITO INOCENTADO



Nem toda ilegalidade pode ser considerada, automaticamente, um ato de improbidade administrativa. Conforme previsto na Lei 8.429/1992, é necessário que exista dolo. Com esse entendimento, a 2ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo reformou sentença que havia condenado o ex-prefeito de Jarinu (SP) Vanderlei Gerez Rodrigues por improbidade administrativa.
A Promotoria indiciara o réu por ter conduzido licitação irregular de equipamentos destinados à rede municipal de saúde. Segundo o Ministério Público, os bens teriam sido adquiridos em desacordo com o plano de trabalho aprovado, com dispensa indevida de licitação, superfaturamento e fracionamento do processo licitatório. Em sua defesa, o ex-prefeito apontou a probidade da licitação e a ausência de dolo, falta grave ou dano ao erário.
Ao analisar o recurso, o relator desembargador Carlos Violante votou pela reforma da sentença que havia condenado o ex-prefeito. “O proceder previsto no artigo 11 da Lei 8.429/1992 importa em ato ou omissão praticados com o elemento subjetivo dolo, restando dos autos a ausência de prova de que tenha o réu procedido com intenção específica de burlar a lei ou atentar contra os princípios norteadores da Administração Pública, nem tampouco tenha ocorrido locupletamento, enriquecimento ilícito ou vantagem indevida”, afirmou.
Além disso, o relator explicou que a tipificação do artigo 10 da Lei de Improbidade Administrativa, apesar de prever a modalidade culposa, exige prova inequívoca de prejuízo ao erário. O que, segundo o desembargador, não foi comprovado no processo. “As alegações do autor não resulta prova inequívoca do prejuízo ao erário”, concluiu. O entendimento foi acompanhado pela desembargadora Vera Lucia Angrisani e o desembargador Renato Delbianco. Com informações da Assessoria de Imprensa do TJ-SP.
Apelação 0000238-72.2012.8.26.0301

Fonte: Revista Consultor Jurídico, 9 de março de 2015, 15h29

sábado, 7 de março de 2015

"O BRASIL LUGNAGIANO - O CASTIGO DA APOSENTADORIA COMPULSÓRIA" POR MARCO AURÉLIO DE MELLO


Em 2002, quando contava 55 anos de idade e, portanto, não se avizinhava a aposentadoria obrigatória, veiculei as seguintes ideias:
No clássico "As Viagens de Gulliver", Jonathan Swift, um dos mais satíricos escritores da língua inglesa, imaginaum lugar – a terra dos lugnagianos – em que, uma ou duas vezes a cada geração, nascia uma criança cunhada com uma mancha circular vermelha na testa, símbolo da imortalidade. Estes seres especiais, por eternos, aos 80 anos tinham seus bens distribuídos aos descendentes, que de outra forma não os herdariam. Tristes, alijados, sua sina era acumular rancores e doenças, o que mais agravava as dores da velhice, sem que lhes aguardasse, porém, o alívio da morte.
No Brasil, parece que os legisladores se inspiraram nessa tenebrosa fantasia para marcar com uma espécie de terrível nódoa vermelha uma classe – os servidores públicos em geral e os membros da magistratura e do Ministério Público em particular. Estes, sabe-se lá por qual razão, aos 70 anos são considerados incapazes para continuar trabalhando na esfera pública, ou seja, sob remuneração do Estado, pouco importando se estejam no ápice de uma brilhante carreira ou no auge da capacidade produtiva.
Recentemente, deparamos mais uma vez com um exemplo muito ilustrativo dos malefícios dessa despropositada aposentadoria compulsória: no último mês de abril, o ministro Néri da Silveira viu-se compelido a deixar a Corte Suprema do País por ter alcançado sábios 70 anos. Quem já se deleitou com a imagem magistral de um condor ganhando os céus jamais haverá de se conformar com o abate desse altivo pássaro, muito menos se em pleno voo. Pois foi também de perplexidade a sensação que pairou sobre mim por algum tempo quando da saída do Ministro, secundada por uma série de insistentes e silenciosas perguntas: a que propósito, nos dias de hoje, serve a vetusta regra constitucional que sustenta a chamada “expulsória”? Não estaria visivelmente anacrônica essa norma, introduzida na Carta de 1946, em face dos avanços tecnológicos que alargaram em muito as expectativas de vida da população? (No meio acadêmico, alguns cientistas mais entusiasmados afirmam que, para um homem saudável de 40 anos, tal expectativa é, hoje, de 120 anos.) Não seria discriminatório um preceito que obstaculiza a atividade de determinados agentes políticos – os magistrados –, beneficiando com a liberalidade os demais, isto é, aqueles que integram os Poderes Executivo e Legislativo? Por que se afigura pouco relevante as idades dos candidatos aos cargos eletivos, casos em que normalmente o peso dos anos testemunha a favor? Alguém já aventou a possibilidade de se retirar o mandato do Presidente da República, professor Fernando Henrique Cardoso, por haver atingido os 70 anos? (Entretanto, o ministro Maurício Corrêa, o próximo Presidente do Supremo Tribunal Federal, não poderá completar o mandato para o qual for eleito, já que 11 meses depois de assumir o cargo,"marcado" pela estranha "pecha", terá de se aposentar. Forçosamente.) Por último, mesmo sem querer adentrar na espinhosa discussão acerca da inconstitucionalidade de certos dispositivos constitucionais, alguém poderia explicar por que, em se tratando dessa malfadada jubilação, os princípios da isonomia e da liberdade de trabalho, elevados à condição de cláusulas pétreas, não se sobrepõem a todo o tipo de filigrana jurídica? Aos que venham a redarguir com o pretexto da legitimidade proporcionada pelo processo eleitoral, pergunto, de pronto, se teriam alguma dúvida sobre a consagradora aprovação seguramente obtida pelo ministro Moreira Alves – decano da Corte e o próximo a ser “aposentado” em virtude da desditosa norma – no bojo de eventual referendum.
É de fato peculiar a situação dos juízes brasileiros, em cujo rol de prerrogativas funcionais está a vitaliciedade, garantia que, por aqui, não significa "enquanto viver" ou enquanto permanecer capaz e produtivo, diferentemente do que acontece, por exemplo, na Suprema Corte dos Estados Unidos da América, onde os magistrados ficam no cargo pelo tempo em que se acharem em condições, alguns chegando aos 90 anos, cumprindo àquele Tribunal decidir sobre a interdição de algum membro por incapacidade física.
No Brasil, talvez tudo se deva ao peso atribuído ao cargo. Julgar realmente é tarefa das mais complexas, a envolver, sempre, a equação de inúmeros valores. Quem sabe esse aspecto tenha induzido o legislador a imaginar que tão árdua missão incapacite, com o correr dos dias, os magistrados, embotando-lhes o entendimento, por isso ficando caducos mais depressa. O ofício de julgar mostrar-se-ia, assim, dos mais cruéis, desfavorecendo quem a ele ousou se dedicar. Já pensou se essa desumana lógica houvesse cerceado a obra de Leonardo da Vinci, Machado de Assis, Handel, Villa-Lobos, Monet, Matisse, ou, para ser bem contemporâneo, a esplêndida carreira da nossa Fernanda Montenegro? Na magistratura, o fardo dos anos como que se revela acachapante, diminuindo paulatinamente quem enverga a toga, ao reverso do que ocorre nas grandes empresas, cujos executivos são premiados com títulos pomposos de "masters" ou "seniors", com o que angariam ainda mais respeito e prestígio – e, por conseguinte, atribuições e salários mais elevados. Nos poderosos conglomerados econômicos, a experiência é um bem valioso a ser generosamente recompensado. No serviço público brasileiro, dá-se o inverso: de um modo geral, investe-se na formação dos servidores como que os preparando para gerar os melhores frutos no âmbito privado, de vez que, no vértice da carreira, são coagidos a se afastarem, pouco interessando o quanto poderiam realizar em prol do serviço público, que tanto ainda deixa a desejar. Num contra-senso, as maiores autoridades administrativas do País não cansam de apontar o rombo da Previdência como uma das principais causas do déficit orçamentário nacional. Quem há de compreender?
Em "Tempo de Memória", Norberto Bobbio, influente cientista político de nossa era, ao discorrer sobre o efeito do tempo, testemunha que sua maior dificuldade, aos 80 anos, residia em conciliar a lucidez dos pensamentos, a agilidade de raciocínio, com a lentidão dos movimentos própria aos mais idosos. As ordens emanadas de uma cabeça desenvolta eram processadas de maneira pouco destra pelo corpo cansado. Convenhamos: tal dificuldade desabilita o genial pensador italiano? De forma alguma. A sabedoria dos anos mais o credencia no seu incansável mister de, observando o mundo, descortiná-lo à visão dos menos doutos.

Segundo a Organização Mundial de Saúde, a idade cronológica não é o melhor parâmetro para delimitar a fronteira da velhice, mostrando-se mais adequado recorrer ao conceito de idade funcional, medida de acordo com a autonomia do indivíduo, ou seja, à luz da aptidão para realizar tarefas rotineiras, como fazer compras, cuidar da higiene pessoal, ir sozinho ao local de trabalho. Se assim é, necessariamente devem ser revistos preceitos constitucionais que arbitrariamente imprimem um limite não biológico à capacidade produtiva de um ser humano, que restringem o exercício livre do universal direito ao trabalho. A aposentadoria há de ser uma recompensa, nunca um castigo para quem, pelo tanto que se dedicou à causa pública, merece ao menos ser considerado digno e apto a concluir por si mesmo já ter cumprido a própria jornada.

Marco Aurélio Mendes de Farias Mello, 68, é ministro do STF.

Fonte: www.migalhas.com.br