O Capítulo I, da Lei Nº 8.666/93, Das Disposições Gerais, Seção I, explicita a matéria “Dos Princípios”, o que demonstra a importância da principiologia nas licitações.
O artigo 3º, da Lei Nº 8.666/93, reza:
“A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia e a selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos.”
Com o passar dos anos a Administração Pública, o Ministério Público e o Judiciário, frente ao conflito de princípios, optaram pela predominância do princípio da legalidade sobre os demais.
A conseqüência desta opção foi, muitas vezes, a presença de empresas, nem sempre com as melhores propostas, como vencedoras das licitações.
Trazemos ao conhecimento dos leitores o julgamento do Recurso Especial Nº 950.489- DF, em 03/02/2011, quando o Ministro LUIZ FUX ainda era membro do Superior Tribunal de Justiça. Tal julgamento proporciona uma nova hermenêutica principiológica. Vejamos a ementa:
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ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LICITAÇÃO. CONTRATO DE CONCESSAO DE SERVIÇO PÚBLICO. EXPLORAÇÃO ECONÔMICA DAS ATIVIDADES INERENTES AOS CEMITÉRIOS. EXIGÊNCIA EDITALÍCIA. CAPITAL SOCIAL MÍNIMO ESCRITURADO. ART. 55, VI E XIII DA LEI N. 8.666/93. SANEAMENTO POSTERIOR. NULIDADE DO CONTRATO NÃO DECRETADA. PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE DO SERVIÇO PÚBLICO.
1. Os princípios que norteiam os atos da Administração Pública, quando em confronto, indicam deva prevalecer aquele que mais se coaduna com o da razoabilidade.
2. No balanceamento dos interesses em jogo, entre anular o contrato firmado para a prestação de serviços de recuperação e modernização das instalações físicas, construção de ossuários, cinzários, crematoria e adoção de medidas administrativas e operacionais, para a ampliação da vida útil dos 06 (seis) cemitérios pertencentes ao Governo do Distrito Federal, ou admitir o saneamento de urna irregularidade contratual, para possibilitar a continuidade dos referidos serviços, in casu, essenciais a população, a ultima opção conspira em prol do interesse publico.
3. Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios objetivando a decretação de nulidade do contrato celebrado com a empresa vencedora da Licitação realizada pela Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil - NOVACAP para a Concessão de Serviços Públicos precedido de Obra Pública sobre imóvel do Distrito Federal n° 01/2002 (administração dos cemitérios do DF), ao argumento de que a inobservância do capital social mínimo exigido do edital de licitação, não configura mera irregularidade, ao revés, constitui vício grave capaz de nulificar o Contrato Administrativo, mercê de violar o disposto no art. 55, incisos VI e XIII, da Lei 8.666/93.
4. O princípio da legalidade convive com os cânones da segurança jurídica e do interesse público, por isso que a eventual colidência de princípios não implica dizer que um deles restara anulado pelo outro, mas, ao revés, que um deles será privilegiado em detrimento do outro, à luz das especificidades do caso concreto, mantendo-se, ambos, íntegros em sua validade.
5. Outrossim, convém ressaltar que a eventual paralisação na execução do contrato de que trata a presente demanda, relacionados a prestação de serviços realizada pelos 06 (seis) cemitérios pertencentes ao Governo do Distrito Federal, coadjuvado pela impossibilidade de o ente público assumir, de forma direta, a prestação dos referidos serviços, em razão da desmobilização da infra-estrutura estatal, após a conclusão do procedimento licitatório in loco, poderá ensejar a descontinuidade dos serviços prestados pela empresa licitante, em completa afronta ao princípio da continuidade dos serviços públicos essenciais.
6. In casu, merece destaque as situações fáticas assentadas pelo Tribunal a quo, insindicáveis nesta Corte, assim sintetizadas: (a) o procedimento licitatório, realizado pela Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil - NOVACAP, teve como vencedor o Consórcio DCB, formado pelas empresas Dinâmica – Administração, Serviços e Obras Ltda.; Contil – Construção e Incorporação de Imóveis Ltda; e Brasília Empresa de Serviços Técnicos Ltda, o qual, antes da assinatura do contrato administrativo, valendo-se de permissivo legal, constituiu a empresa denominada Campo da Esperança Serviços Ltda; (b) o Consórcio DCB, vencedor do procedimento licitatório sub examine, comprovou todos os requisitos para participação no certame, inclusive, a exigência do capital mínimo, de R$ 1.438.868,00 (um milhão, quatrocentos e trinta e oito mil, oitocentos e sessenta e oito reais); (c) a empresa Campo da Esperança Serviços Ltda, criada para substituir o consórcio vencedor do certame, inobstante obrigada ao cumprimento das exigências editalícias nos mesmos moldes do vencedor, mormente no que se refere ao valor do capital mínimo, foi constituída, inicialmente, com capital de R$ 10.000,00 (dez mil reais), o qual foi majorado para R$300.000,00 (trezentos mil reais), mediante alteração dos seus atos constitutivos, e, posteriormente, ampliado para R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais), em razão do cumprimento da decisão proferida pelo Juízo de Direito da Vara da Fazenda Pública do Distrito Federal, com supedâneo no art. 798 do CPC, consoante se verifica da verifica da decisão de fls. às fls. 334/344.
7. Deveras, o Ministério Público Federal, na qualidade de custos legis, destacou que: "o princípio da continuidade dos serviços públicos admite o saneamento de uma irregularidade contratual, no intuito de atingir o interesse público. Correta a decisão do Tribunal a quo que entendeu passível a correção posterior de uma exigência prevista no edital de licitação (capital social mínimo de empresa) para preservar o bem comum dos administrados". (fl. 662)
8. Recurso Especial desprovido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da PRIMEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça acordam, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Teori Albino Zavascki, Arnaldo Esteves Lima, Benedito Gonçalves e Hamilton Carvalhido votaram com o Sr. Ministro Relator.
Assistiu ao julgamento o Dr. DANIEL BELTRAO DE ROSSITER CORREA, pela parte RECORRlDA: DISTRITO FEDERAL.
Brasília (DF), 03 de fevereiro de 20ll (Data do Julgamento)
MINISTRO LUIZ FUX
Relator”
Espera-se, agora, que a Administração Pública, o Ministério Público e o Judiciário aceitem o novo desafio.
JOSÉ LUÍS BLASZAK
Advogado e Professor de Direito Administrativo
blaszak@hotmail.com