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quarta-feira, 25 de outubro de 2017

DEBATE EM CURITIBA, DIAS 9 E 10/11/2017 SOBRE "FRAUDE NO PREENCHIMENTO DAS COTAS DE GÊNERO DE CANDIDATURAS, AÇÕES ELEITORAIS E A EFETIVAÇÃO DA PARTICIPAÇÃO POLÍTICA DAS MULHERES"


Estou muito agradecido por fazer parte como um dos debatedores do IV ENCONTRO NACIONAL DOS JURISTAS DE TRIBUNAIS ELEITORAIS - COPEJE, em Curitiba/PR, nos dias 9 e 10/11/2017.

A temática com que fui agraciado é: FRAUDE NO PREENCHIMENTO DAS COTAS DE GÊNERO DE CANDIDATURAS, AÇÕES ELEITORAIS E A EFETIVAÇÃO DA PARTICIPAÇÃO POLÍTICA DAS MULHERES.

Desde quando a Procuradoria Geral Eleitoral, no TSE, determinou às Procuradorias Regionais Eleitorais que incentivassem os promotores de justiça nas zonas eleitorais a promoverem AIMEs e AIJEs para declarar fraude em registros de candidaturas femininas com resultado ZERO VOTO nas Eleições de 2016 eu me posicionei de que se deveria ter cautela. Zero voto por si só não caracteriza fraude! E defendi que os julgamentos deveriam restringir-se a cada caso em mesa, com especial atenção à presença de provas contundentes de fraude. Por tratar-se de pedido de cassação de mandatos as AIMEs e AIJEs em questão deveriam levar em conta a linha da jurisprudência do TSE nestes casos, ou seja, necessidade de prova cabal do ilícito e não basear-se unicamente em prova testemunhal.

Estamos com grande expectativa para os debates em Curitiba com juristas da mais alta capacidade.

Bela iniciativa da Diretoria do COPEJE.



ACESSE OS DOCUMENTOS REFERENTES À AIJE Nº 1943-58, PROCESSO NO TSE QUE JULGOU OS PRESIDENTES DILMA E TEMER





Acesse os documentos referentes à AIJE nº 1943-58, na qual se discutiu e julgou a prática de abuso de poder político e econômico em benefício dos candidatos à Presidência e à Vice-Presidência da República pela coligação Com a Força do Povo nas eleições de 2014.
O objetivo do TSE, a pedido do Relator Ministro Herman Benjamin, foi dar plena transparência à ação, que ainda tramita no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), atendendo-se, assim, ao princípio da publicidade dos atos jurisdicionais e, também, aos pressupostos democráticos que regem a atuação institucional da Justiça Eleitoral.
O processo contém mais de dez volumes, com 300 folhas cada, em média.
Confira a íntegra dos documentos.
Todos os arquivos estão em formato PDF no link acima.

Fonte: www.se.jus.br



terça-feira, 25 de abril de 2017

OS ABUSOS NA PROPOSITURA DAS AÇÕES JUDICIAIS ELEITORAIS QUE TRATAM DAS SUPOSTAS FRAUDES NO PREENCHIMENTO DAS COTAS DE GÊNERO

A previsão legal de reserva mínima de 30% para cada gênero na formação de candidaturas dos partidos e das coligações está insculpida no artigo 10, §3º da Lei nº 9.504/97[1].

§ 3º  Do número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo.                                                                                                                             
A Procuradoria Geral Eleitoral, em novembro de 2016, enviou orientação para as Procuradorias Regionais que, por sua vez, orientaram os Promotores das Zonas Eleitorais a fim de instaurarem Procedimentos Preparatórios Eleitorais, visando apuração da veracidade das candidaturas de mulheres que receberam zero voto. Detectadas, ao seu modo de ver, fraudes no preenchimento do percentual mínimo de 30% das cotas para cada gênero, deveriam propor ações judiciais eleitorais em face dos responsáveis. A orientação determinou, ainda, excluir do polo passivo as mulheres eleitas, ou seja, se houver cassação de mandatos será somente em relação aos candidatos do sexo masculino.

A Orientação GENAFE Nº 01/2016 estipulou dentre outras medidas [2] :

h) propor ação de investigação judicial eleitoral (AIJE) pela fraude praticada como elemento do abuso (REspe 631-84/SC) em face dos responsáveis por ela e dos candidatos beneficiários do sexo masculino, excluindo-se do polo passivo as mulheres eleitas, sob pena de, para se combater ilícito que lesou ação afirmativa, prejudicar integrantes da minoria que deveriam ter sido por ela beneficiados.

i) propor ação de impugnação de mandato eletivo (AIME) pela fraude (art.14, § 10, da CR/88 e REspe 1-49/PI) em face dos candidatos do sexo masculino diplomados, excluindo-se do polo passivo as mulheres eleitas, sob pena de, para se combater ilícito que lesou ação afirmativa, prejudicar integrantes da minoria que deveriam ter sido por ela beneficiados.

A partir desta orientação foram promovidas inúmeras de ações judiciais eleitorais país afora.

A legítima e oportuna campanha pela maior participação feminina no processo eleitoral brasileiro, coincidindo com os resultados das eleições de 2016, serviu de motivação especial para a iniciativa do Ministério Público.

É importante frisar que a lei eleitoral trata de reserva mínima de cotas de cada gênero. Não trata de proteção a um determinado gênero. Ainda que se defenda que o gênero masculino sobrepõe há tempo no processo político brasileiro não se pode  por conta desta desproporção forçar reconhecimento de ilícitos eleitorais sem previsão legal, em especial, aqueles que redundem em cassação de mandato sob pena de prática de abuso, ainda que em defesa de uma boa causa.

Há quem diga que não se pode invocar a boa-fé dos candidatos masculinos em detrimento das eventuais “candidaturas laranjas” das mulheres no preenchimento mínimo dos 30% de cotas de cada gênero. É dito que é obrigação de todos os candidatos o conhecimento das regras tocante ao regular preenchimento das cotas mínimas de gênero e da sua regular campanha eleitoral.

No entanto, a boa-fé pode ser invocada, uma vez que as regras de registro de candidatura estão postas em capitulação própria na Lei nº 9.504/97 - artigos 10 ao 16-B. Desde o advento da Lei nº 12.034, em 2009, não houve alterações na Lei das Eleições, nem tampouco as resoluções do TSE trataram da matéria de maneira inovadora.

Frise-se, nunca antes houve a extensão proposta agora pelo Ministério Público por meio das inúmeras ações judiciais eleitorais.

Não há nenhum artigo na legislação eleitoral, nem tampouco nas resoluções do TSE que obrigue os candidatos a vigiarem e fiscalizarem os atos de campanha dos seus próprios companheiros de partido ou de coligação.

A busca do Ministério Público pela cassação dos mandatos unicamente dos candidatos homens por meio da anulação do DRAP por fraude, ressalvando os mandatos das candidatas mulheres, deve ser rechaçado. Não é possível a anulação de parte do DRAP sem atingir ambas as candidaturas, tanto de homens quanto de mulheres, pois constam do mesmo DRAP.

Zero voto por si só não indica fraude eleitoral. A invocação do REsp 149, do Piauí, feita por alguns, não é suficiente para embasar tamanho intento de desconstituição de mandatos originados do voto popular, ditos soberanos. A força de desconstituição precisa ser, sobretudo, revestida de ilicitude tipificada por lei.  Não há lei para tal, nem jurisprudência neste sentido. O que há é um precedente do TSE - REsp 149 que, diga-se de passagem, ampliou os limites da fraude a ser examinada por meio de AIME – Ação de Impugnação de Mandato Eletivo. Casualmente, a AIME do REsp 149 teve como objeto o preenchimento dos percentuais de cotas de gênero, mas, sequer foi examinado ainda o mérito pelo TSE.

Daí, dizer que todo e qualquer campanha de mulheres candidatas com zero votos significa que há revestimento de fraude é totalmente exagerado e descabido.

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. CORRUPÇÃO. FRAUDE. COEFICIENTE DE GÊNERO. 1. Não houve violação ao art. 275 do Código Eleitoral, pois o Tribunal de origem se manifestou sobre matéria prévia ao mérito da causa, assentando o não cabimento da ação de impugnação de mandato eletivo com fundamento na alegação de fraude nos requerimentos de registro de candidatura. 2. O conceito da fraude, para fins de cabimento da ação de impugnação de mandato eletivo (art. 14, § 10, da Constituição Federal), é aberto e pode englobar todas as situações em que a normalidade das eleições e a legitimidade do mandato eletivo são afetadas por ações fraudulentas, inclusive nos casos de fraude à lei. A inadmissão da AIME, na espécie, acarretaria violação ao direito de ação e à inafastabilidade da jurisdição. Recurso especial provido.
(TSE - RESPE: 149 JOSÉ DE FREITAS - PI, Relator: HENRIQUE NEVES DA SILVA, Data de Julgamento: 04/08/2015, Data de Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Data 21/10/2015, Página 25-26) [3]

Não há ainda jurisprudência sobre a matéria. Há poucos precedentes. Para se dizer que há jurisprudência é necessário o tribunal reunir vários precedentes semelhantes. Os poucos precedentes existentes nos Tribunais Regionais Eleitorais são no sentido de rejeitar a fraude sem provas contundentes.

À luz dos princípios da legalidade, razoabilidade e proporcionalidade traz-se para a reflexão importante precedente do TRE/RS, que por ocasião das eleições de 2012, confirmou que a ação judicial sem provas contundentes de fraude deve ser rejeitada.

RECURSO. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. RESERVA DE GÊNERO. FRAUDE ELEITORAL. ELEIÇÕES 2012.
Matéria preliminar afastada.
Suposta fraude no registro de três candidatas apenas para cumprir a obrigação que estabelece as quotas de gênero, contida no art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97.
A circunstância de não terem obtido nenhum voto na eleição não caracteriza por si só a fraude ao processo eleitoral. Tampouco a constatação de que haveria propaganda eleitoral de outro candidato na casa de uma delas.
Provimento negado.
(Ação de Impugnação de Mandato Eletivo nº 76677, Acórdão de 03/06/2014, Relator(a) DESA. FEDERAL MARIA DE FÁTIMA FREITAS LABARRÈRE, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 99, Data 05/06/2014, Página 6-7 )[4] (Grifo nosso)

É de se destacar do acordão as seguintes assertivas.
(...)
Ademais, não encontro na legislação qualquer sanção para o virtual descumprimento da louvável política afirmativa em discussão. Assim, não há amparo em dispositivo legal para a cassação dos diplomas de todos os demais candidatos do partido acionado, tal como postula o recorrente, sob pena de responsabilização objetiva não prevista em lei.
Note-se que as quotas de gênero estão efetivamente inseridas no debate constitucional das políticas afirmativas. Mas o que aqui se discute é tão somente o desdobramento de tal política na seara eleitoral a qual resta, talvez, sujeita à incompletude, porquanto, ainda que tal fraude houvesse sido detectada, seria destituída de desdobramentos no balanço eleitoral. Não teria retirado qualquer paridade de armas, ou legitimidade dos eleitos. Alinho-me, portanto, ao que o TSE decidiu recentemente em Recurso Especial com origem no Rio Grande do Sul:
Representação. Eleição proporcional. Percentuais legais por sexo. Alegação.
Descumprimento posterior. Renúncia de candidatas do sexo feminino.
1. Os percentuais de gênero previstos no art. 10, § 3º, da Lei nº 9.504/97 devem ser observados tanto no momento do registro da candidatura, quanto em eventual preenchimento de vagas remanescentes ou na substituição de candidatos, conforme previsto no § 6º do art. 20 da Res.- TSE nº 23.373.
2. Se, no momento da formalização das renúncias por candidatas, já tinha sido ultrapassado o prazo para substituição das candidaturas, previsto no art. 13, § 3º, da Lei nº 9.504/97, não pode o partido ser penalizado, considerando, em especial, que não havia possibilidade jurídica de serem apresentadas substitutas, de modo a readequar os percentuais legais de gênero.
Recurso especial não provido.
(Recurso Especial Eleitoral nº 21498, Acórdão de 23/05/2013, Relator(a) Min. HENRIQUE NEVES DA SILVA, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 117, Data 24/6/2013, Página 56 )
Colho do voto exarado pelo ministro Henrique Alves da Silva, acolhido por unanimidade por seus pares, parte de seu raciocínio:
No presente caso, considerado pelo acórdão regional que a recorrida respeitou os limites legais de gênero no momento inicial dos registros de candidatura, não vejo como sustentar a alegada infração ao art. 10, § 3 0, da Lei n° 9.504/95, uma vez que as vagas foram efetivamente preenchidas.
Isso porque o dispositivo em comento, como já dito, tem o escopo de permitir o acesso às candidaturas de acordo com os limites previstos para cada sexo. Tal garantia deve ser respeitada tanto no preenchimento das vagas inicialmente requeridas quanto no das remanescentes.
Porém, depois que os partidos políticos e coligações escolhem seus candidatos e os apresentam à Justiça Eleitoral, o bem jurídico tutelado pela ação afirmativa é atingido. E as agremiações, ressalvada a hipótese de expulsão dos quadros partidários, não detêm o poder de cancelar as candidaturas registradas.
(…)
Em suma, o objetivo da política pública de incentivo à participação igualitária de candidaturas foi respeitado pela coligação no momento próprio. O ato de renúncia é unilateral, pessoal e independe da vontade das agremiações; E, por fim, quando ocorreram as desistências das candidaturas, não havia possibilidade jurídica de serem apresentadas substitutas.
No mesmo sentido, destaco ementa do bem lançado voto da lavra do Dr. Luis Felipe Paim Fernandes, membro efetivo desta Corte:
Recurso. Conduta vedada. Reserva legal de gênero. Art. 10, § 3º, da Lei n. 9504/97. Vereador. Eleições 2012.
Representação julgada improcedente no juízo de origem.
Obrigatoriedade manifesta em alteração legislativa efetivada pela Lei n. 12.034/09, objetivando a inclusão feminina na participação do processo eleitoral.
Respeitados, in casu, os limites legais de gênero quando do momento do registro de candidatura. Atingido o bem jurídico tutelado pela ação afirmativa.
O fato de as candidatas não terem propaganda divulgada ou terem alcançado pequena quantidade de votos, por si só não caracteriza burla ou fraude à norma de regência. A essência da regra de política pública se limita ao momento do registro da candidatura, sendo impossível controlar fatos que lhe são posteriores ou sujeitos a variações não controláveis por esta Justiça Especializada.
Provimento negado.
(TRE/RS, RE 417-43, Rel. Luis Felipe Paim Fernandes, Sessão de 07/11/2013).
Ainda, por oportuno, transcrevo excerto das razões do referido voto exarado no RE 417-43, haja vista a similitude com o caso ora analisado:
É cediço que, quando do registro de candidatura, as candidatas submeteram seus nomes. Pelo conjunto probatório coligido aos autos transparece que não desenvolveram atos de campanha. Entretanto, a configuração de ilicitude não decorre de dedução ou presunção. Sabe-se que muitos candidatos desistem, efetivamente, de suas posições. A submissão de candidatura é também ato unilateral fundado na declaração de vontade humana. Não há qualquer regra que impeça a reversão dessa declaração ou que imponha o status de candidato do início ao fim do pleito eleitoral. O critério da legalidade, oriundo de  matriz constitucional, poderia suprimir a liberdade inerente aos pleiteantes  aos mandatos eletivos, mas não o faz, e onde a Constituição silencia, não pode o intérprete restringir.
Sabe-se, ainda, que o embate político busca, muitas vezes, a satisfação de seus apetites na própria Justiça Eleitoral. Dessa maneira, é frequente que os pedidos não se revoltem quanto a efetivas ilegalidades, mas apenas quanto à situações políticas desfavoráveis. A efetiva realização de justiça determinaria que todas as candidaturas, de todos os partidos, fossem auditadas após o pleito, para verificar quais, em realidade, cumpriram a reserva de gênero, sob pena de se respaldar pedido de quem também não tenha observado a regra a qual quer emprestar maior amplitude.
Aliás, qual a essência da regra discutida? Penso que ela se limita ao registro, sendo impossível apurar fatos que lhe são posteriores e estão sujeitos à inúmeras variações não controláveis por essa Justiça Especializada.
(...)
Sublinho a importância vital da participação de cada gênero na comunidade política. Mulheres e homens devem possuir reais chances de realizar-se e desenvolver-se politicamente. Tal missão está confiada aos partidos políticos e a diversas instâncias da sociedade civil, senhora dos seus próprios destinos e das conformações que desejar adotar.”

Adiciona-se que não há obrigatoriedade aos candidatos para aderirem ao sistema convencional de campanha eleitoral com usos padronizados de propaganda eleitoral, comícios, reuniões, jingles, santinhos, cartazes, dentre outros. Os candidatos são livres para exercerem seu direito de pedir voto, ainda que corram o risco de receberem zero voto.

No mesmo sentido, não há ilegalidade na desistência das candidaturas. Porém, se, de fato, houver desistência, os candidatos  devem comunicar à Justiça Eleitoral. Se não houver comunicação não há que se falar em ilicitude e sim em irregularidade, pois não há previsão de penalização. Dizer que quem desiste comete, automaticamente, fraude eleitoral, beneficiando o seu partido ou a sua coligação é um longo caminho de necessária prova contundente.

A causa da maior participação feminina na política e da efetiva campanha eleitoral uma vez registradas as candidaturas é legítima e oportuna. Para que haja o controle judicial do preenchimento de percentual mínimo das cotas de gênero e sua regular participação no processo eleitoral com possível penalização aos que praticarem fraudes por meio de  candidaturas laranjas”  é indispensável que haja previsão legal para tanto. A propositura de ações judiciais, sob fundamento de fraude eleitoral, para desconstituir mandatos eleitorais de candidatos homens por conta de que mulheres candidatas receberam zero voto, por si só, é abusiva.

José Luís Blaszak – professor e advogado eleitoralista. Foi juiz membro do TRE/MT.





[1] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9504.htm
[2] http://www.mpf.mp.br/pgr/documentos/Orientaon01Mulheres.pdf
[3] https://tse.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/348591484/recurso-especial-eleitoral-respe-149-jose-de-freitas-pi/inteiro-teor-348591496
[4] http://www.tre-rs.jus.br/arquivos/RE_76677.pdf

domingo, 12 de março de 2017

OS DIFERENTES PRAZOS PARA CONTESTAR NO DIREITO ELEITORAL E SUAS RESPECTIVAS FORMAS DE CONTAGEM




O direito eleitoral é peculiar. A legislação trata de direito material e processual de forma mesclada, invocando o Código de Processo Civil como subsidiário. A prática processual, por sua vez, possui seus percalços.

O código eleitoral, Lei nº 4.737, é datado de 15 de julho de 1965. Não precisa aqui delinear o seu surgimento, sua maioridade, sua fase adulta e sua já terceira idade para dizer de suas nuances. Defendo que misturou-se e mistura-se o direito material e processual no mesmo ordenamento por interesses – o político se destaca . E, diga-se de passagem, o processo em si deixa muito a desejar.

Ao longo do tempo não houve coragem suficiente para uma verdadeira reforma eleitoral. O que se teve até o presente momento é uma verdadeira colcha de retalhos com a consagração de minirreformas.

Temos a Lei Complementar nº 64 de 18 de maio de 1990 (Lei das Inelegibilidades) (em 04 de junho de 2010 teve o advento a Lei Complementar nº 135, que alterou a LC 64/90),  a Lei nº 9.096 de 15 de setembro de 1995 (Lei dos Partidos), a Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997 (Lei Eleitoral), a Lei nº 13.165 de 29 de setembro de 2015, as inúmeras Resoluções do TSE. Isso tudo, faz acomodar o advento do novo código eleitoral brasileiro.

Esta mera visita aos tantos normativos eleitorais já indica em parte o porquê de certos percalços jurídicos no desenrolar dos processos judiciais eleitorais. Os diferentes prazos para contestar e suas respectivas formas de contagens nas representações e ações judiciais eleitorais destacam-se dentre os percalços. Daremos aqui especial atenção a eles.

Eneida Desiree Salgado em co-autoria com Thiago Pries Valiati e Paula Bernardelli aborda em obra recente o caráter assistemático das regras processuais eleitorais[1]:

“Deve-se reconhecer que não é simples a tarefa de aplicar o direito eleitoral. Suas normas, espalhadas por diplomas diversos, elaborados em contextos políticos muito distintos, são repletas de conceitos jurídicos indeterminados, e não é fácil compatibilizar seus comandos. Para alcançar uma consistência na adjudicação do direito eleitoral, seria importante uma consolidação das regras eleitorais, com uma análise prévia da compatibilidade da legislação coma Constituição, além do afastamento cabal do (inconstitucionalmente autoconcedido) poder normativo do Tribunal Superior Eleitoral.

O âmbito processual é refém dessa situação. As ações eleitorais estão espalhadas por diversos diplomas, como a Lei das Eleições (representações, reclamações e direitos de resposta), a Lei das Inelegibilidades (ação de impugnação de registro de candidato,  ação de investigação judicial eleitoral), o Código Eleitoral (recurso contra expedição de diploma, ações penais) e na Constituição (ação de impugnação de mandato eletivo).”

No mundo processual eleitoral, quanto aos prazos, há um duplo momento, ou seja, durante o período eleitoral, em que o TSE fixa as datas por meio da Resolução que trata do Calendário Eleitoral, e fora do período eleitoral. Naquele, os prazos “são peremptórios e contínuos e correm em secretaria ou Cartório e, a partir da data do encerramento do prazo para registro de candidatos, não se suspendem aos sábados, domingos e feriados”[2] e neste “serão computados na forma do art. 224 do Novo Código de Processo Civil”[3].

Acrescente-se, que durante o período eleitoral (há fixação de datas como marco inicial e final) as citações/notificações (a legislação eleitoral utiliza ora o vocábulo notificação e ora citação) podem ser feitas por oficial de justiça, bem como por meio de correio eletrônico e/ou por fac-símile, ambos indicados pelos candidatos, coligações e partidos. Conta-se o prazo, então, a partir da mera ciência.

Fora do período eleitoral as citações/notificações devem ser feitas obrigatoriamente por oficial de justiça. Repudia-se as ligações telefônicas promovidas pelos cartórios das zonas eleitorais “convidando” as partes para serem citadas/notificadas. Tal prática irregular se deve ao fato de que na justiça eleitoral não há pagamento de diligências.

O promotor de justiça e autor eleitoralista Rodrigo Lopez Zílio aborda o tema na sua consagrada obra Direito Eleitoral [4] quando escreve sobre a AIME. E traz o seu posicionamento, do TRE/RS e do TSE, verbis:

“A legislação eleitoral é carente na regulamentação das ações eleitorais. Embora previsão de diversas ações eleitorais (v.g., AIRC, AIJE, e representação pelos artigos 30-A, 41-A, 73 a 77 da LE), apenas a LC nº 64/90 traz a previsão de dois procedimentos específicos (arts. 3º a 14 e artigo 22) – além do rito sumaríssimo previsto no art. 96 da LE para as representações por descumprimentos à Lei das Eleições.
Como se trata de ação ajuizada após a diplomação (quando não existe mais a fluência contínua e ininterrupta dos prazos processuais e tampouco o plantão permanente da Justiça Eleitoral), as regras de citação e intimação das partes devem observar, ao máximo, seja assegurada a plenitude do contraditório e da ampla defesa. Desta forma, a notificação, intimação ou citação das partes, em regra, deve ser realizada pessoalmente ou por publicação no Diário de Justiça Eleitoral.
A contagem do prazo, porque se trata de ação de cunho eleitoral (embora de natureza cível), deve prestigiar a celeridade dos feitos processuais, sendo adequado admitir o início da contagem a partir da mera ciência do ato processual (como, aliás, é até mesmo na esfera penal, conforme Súmula 710 do STF)[5]. O TRE-RS, no entanto, já admitiu a contagem do prazo a partir da juntada, quando a citação for efetuada por oficial de justiça, assentando que “a omissão na LC n, 64/90 quanto à forma de contagem do prazo para a contestação conduz à aplicação subsidiária da legislação processual civil na apuração da tempestividade” (Recurso Eleitoral nº 311272 – Rel. Dra Ana Beatriz Iser – j. 05.10.2010). No mesmo sentido, o TSE defendeu a aplicação da regra do Código de Processo Civil que estabelece a juntada do mandado de notificação como marco inicial para a contagem do prazo para a apresentação de defesa na AIME (Recurso Ordinário nº 6931-36 – Rel. Min. Gilson Dipp – j. 08.05.2012).”  (grifo nosso).

É de suma importância frisar que para as matérias da Lei Eleitoral – a Lei nº 9.504/97, em especialmente tocante à propaganda eleitoral, aplica-se o rito processual do art. 96 da Lei nº 9.504/97, que fixa o prazo para a defesa em 48 (quarenta e oito) horas, verbis:

“Art. 96. Salvo disposições específicas em contrário desta Lei, as reclamações ou representações relativas ao seu descumprimento podem ser feitas por qualquer partido político, coligação ou candidato, e devem dirigir-se:
I - aos Juízes Eleitorais, nas eleições municipais;
II - aos Tribunais Regionais Eleitorais, nas eleições federais, estaduais e distritais;
III - ao Tribunal Superior Eleitoral, na eleição presidencial.
§ 1º As reclamações e representações devem relatar fatos, indicando provas, indícios e circunstâncias.
(...)     
§ 5º Recebida a reclamação ou representação, a Justiça Eleitoral notificará imediatamente o reclamado ou representado para, querendo, apresentar defesa em quarenta e oito horas.
(...)
Art. 96-A. Durante o período eleitoral, as intimações via fac-símile encaminhadas pela Justiça Eleitoral a candidato deverão ser exclusivamente realizadas na linha telefônica por ele previamente cadastrada, por ocasião do preenchimento do requerimento de registro de candidatura. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)
Parágrafo único. O prazo de cumprimento da determinação prevista no caput é de quarenta e oito horas, a contar do recebimento do fac-símile. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)”

Chama-se a atenção para o prazo de contestação que é de 48 (quarenta e oito) horas.

Nesta linha, o TSE, para as Eleições Municipais de 2016, publicou a Resolução nº 23.462, de 15 de dezembro de 2015, que dispôs sobre representações, reclamações e pedidos de resposta previstos na Lei nº 9.504/1997, onde o prazo para defesa é de 48 (quarenta e oito) horas.

“Resolução nº 23.462/2015
Art. 5º Os prazos relativos às reclamações, às representações e aos pedidos de resposta são contínuos e peremptórios e não se suspendem aos sábados, domingos e feriados entre 15 de agosto e 16 de dezembro de 2016 (Lei Complementar nº 64/1990, art. 16), excepcionados os feitos de competência do Tribunal Superior Eleitoral, que observarão o disposto no Calendário Eleitoral.
§ 1º Nesse período, o arquivamento de procuração dos advogados representantes dos candidatos, dos partidos e das coligações, assim como das emissoras de rádio e televisão, dos provedores e servidores de Internet, dos demais veículos de comunicação e de empresas e entidades realizadoras de pesquisas eleitorais no Cartório Eleitoral torna dispensável, exclusivamente para as representações e reclamações de que trata esta resolução, a juntada do instrumento de procuração, devendo a circunstância ser registrada na petição em que se valerem dessa faculdade, o que será certificado nos autos.
 (…)
CAPÍTULO II
DO PROCESSAMENTO DAS RECLAMAÇÕES, DAS REPRESENTAÇÕES E DOS PEDIDOS DE RESPOSTA 
Seção I
Disposições Gerais
Art. 6º As representações, subscritas por advogado ou por representante do Ministério Público, deverão ser apresentadas com as respectivas contrafés, em quantas vias forem as partes demandadas – salvo se protocoladas por fac-símile ou petição eletrônica –, e relatarão fatos, indicando provas, indícios e circunstâncias (Lei nº 9.504/1997, art. 96, § 1º).
(...)
Art. 8º Recebida a petição inicial, o Cartório Eleitoral providenciará a imediata citação do(s) representado(s), com a contrafé da petição inicial e, quando houver, a degravação da mídia de áudio e/ou vídeo, para, querendo, apresentar(em) defesa no prazo de quarenta e oito horas (Lei nº 9.504/1997, art. 96, § 5º), exceto quando se tratar de pedido de direito de resposta, cujo prazo será de vinte e quatro horas (Lei nº 9.504/1997, art. 58, § 2º).

No caso das representações que visarem à apuração das hipóteses previstas nos arts. 23, 30-A, 41-A, 45, inciso VI, 73, 74, 75 e 77 da Lei nº 9.504/1997 observarão o rito estabelecido pelo art. 22 da Lei Complementar nº 64/1990, que fixa o prazo para a defesa em 5 (cinco) dias. A Resolução passou a assim dispor para as Eleições Municipais de 2016:

“Resolução nº 23.462/2015
Seção III
Das Representações Específicas
(…)
Art. 23. Nas eleições de 2016, o Juiz Eleitoral será competente para conhecer e processar a representação prevista na Lei Complementar nº 64/1990, exercendo todas as funções atribuídas ao Corregedor-Geral ou Regional, cabendo ao representante do Ministério Público Eleitoral em função na Zona Eleitoral as atribuições deferidas ao Procurador-Geral e ao Procurador Regional Eleitoral, nos termos dos incisos I a XV do art. 22 e das demais normas de procedimento previstas na Lei Complementar nº 64/1990.
Art. 24. Ao despachar a inicial, o Juiz Eleitoral adotará as seguintes providências:
a) ordenará que seja citado o representado, encaminhando-lhe a segunda via da petição, acompanhada das cópias dos documentos, para que, no prazo de cinco dias, ofereça defesa (Lei Complementar nº 64/1990, art. 22, inciso I, alínea a);
Art. 25. Feita a notificação, o Cartório Eleitoral juntará aos autos cópia autêntica do ofício endereçado ao representado, bem como a prova da entrega ou da sua recusa em aceitá-la ou em dar recibo (Lei Complementar nº 64/1990, art. 22, inciso IV).

É de suma importância atentar que a Lei Complementar nº 64/1990 dispõe de dois ritos processuais, quais sejam, o do art. 3º a 16  (para AIRC e AIME) e o do art. 22 (para as demais hipóteses previstas nos arts. 23, 30-A, 41-A, 45, VI, 73, 74, 75 e 77 da Lei nº 9.504/97, devendo para estes ser observado o rito processual estabelecido pelo art. 22 da Lei Complementar nº 64/90, incisos I a XIII.), verbis:

“Art. 3° Caberá a qualquer candidato, a partido político, coligação ou ao Ministério Público, no prazo de 5 (cinco) dias, contados da publicação do pedido de registro do candidato, impugná-lo em petição fundamentada.
§ 1° A impugnação, por parte do candidato, partido político ou coligação, não impede a ação do Ministério Público no mesmo sentido.
§ 2° Não poderá impugnar o registro de candidato o representante do Ministério Público que, nos 4 (quatro) anos anteriores, tenha disputado cargo eletivo, integrado diretório de partido ou exercido atividade político-partidária.
§ 3° O impugnante especificará, desde logo, os meios de prova com que pretende demonstrar a veracidade do alegado, arrolando testemunhas, se for o caso, no máximo de 6 (seis).
Art. 4° A partir da data em que terminar o prazo para impugnação, passará a correr, após devida notificação, o prazo de 7 (sete) dias para que o candidato, partido político ou coligação possa contestá-la, juntar documentos, indicar rol de testemunhas e requerer a produção de outras provas, inclusive documentais, que se encontrarem em poder de terceiros, de repartições públicas ou em procedimentos judiciais, ou administrativos, salvo os processos em tramitação em segredo de justiça.
(...)
Art. 16. Os prazos a que se referem o art. 3º e seguintes desta lei complementar são peremptórios e contínuos e correm em secretaria ou Cartório e, a partir da data do encerramento do prazo para registro de candidatos, não se suspendem aos sábados, domingos e feriados.
(...)
Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito:       
I - o Corregedor, que terá as mesmas atribuições do Relator em processos judiciais, ao despachar a inicial, adotará as seguintes providências:
a) ordenará que se notifique o representado do conteúdo da petição, entregando-se-lhe a segunda via apresentada pelo representante com as cópias dos documentos, a fim de que, no prazo de 5 (cinco) dias, ofereça ampla defesa, juntada de documentos e rol de testemunhas, se cabível;
(…)
IV - feita a notificação, a Secretaria do Tribunal juntará aos autos cópia autêntica do ofício endereçado ao representado, bem como a prova da entrega ou da sua recusa em aceitá-la ou dar recibo;”

Assim, para a Ação de Impugnação de Registro de Candidatura – AIRC o rito a ser seguido deve ser o insculpido no art. 3º da LC nº 64/90, que fixa o prazo para a contestação em 7 (sete) dias. A Ação de Impugnação de Mandato Eletivo – AIME, por sua vez, adota o mesmo rito citado, por força do jurisprudência consolidada, segundo José Jairo Gomes[6]:

“Assentou-se na jurisprudência que o procedimento a ser observado é aquele previsto nos artigos 3º a 16 da LC nº 64/90 para a Ação de Impugnação de Registro de Candidatura (AIRC), considerado “ordinário” na seara eleitoral. Por óbvio o diploma processual civil será sempre invocável subsidiariamente. É este – reitere-se – o entendimento vitorioso e iterativo na hodierna jurisprudência eleitoral:
 “[...] Na Ação de Impugnação de Mandato Eletivo, até a sentença, o rito a ser observado é o previsto na LC nº 64/90” (TSE – Respe Ac. Nº 25.443/SC, de 14-2-2006 – DJ 10-3-2006, p.177).
“A Ação de Impugnação de Mandato Eletivo observará o procedimento previsto na Lei Complementar nº 64/90 para registro de candidaturas, com aplicação subsidiária, conforme o caso, das disposições do Código de Processo Civil, e tramitará em segredo de justiça, respondendo o autor na forma da lei, se temerária ou manifesta má-fé (Constituição Federal, art. 14, §11)”(TSE – Res. nº 23.372/2011, art. 170, §1º; Res. nº 23.399/2013, art. 228, §1º)”

Para as eleições municipais de 2016, a Resolução do TSE nº 23..456/2015, no seu art. 173, §1º, repetiu a regra das resoluções anteriores, na linha jurisprudencial consagrada de fixação do rito da AIME,  verbis:

“Art. 173. O mandato eletivo poderá também ser impugnado na Justiça Eleitoral após a diplomação, no prazo de quinze dias, instruída a ação com provas de abuso do poder econômico, corrupção ou fraude (Constituição Federal, art. 14, § 10).
§ 1o A ação de impugnação de mandato eletivo observará o procedimento previsto na Lei Complementar no 64/1990 para o registro de candidaturas, com a aplicação subsidiária, conforme o caso, das disposições do Código de Processo Civil, e tramitará em segredo de justiça, respondendo o autor na forma da lei, se temerária ou de manifesta má-fé (Constituição Federal, art. 14, § 11).”

Como se vê a legislação eleitoral apresenta certas nuances nem sempre compreendidas. A justificativa unânime é de que o breve tempo entre os registros de candidaturas e a data das eleições exige este escalonamento de prazos – paras as demandas de propaganda eleitoral um prazo deveras exíguo e ampliado em alguns dias para as demais representações e ações judiciais eleitorais.

Se não bastasse a falta de uniformidade para a fixação dos prazo da contestação, a contagem também traz seus percalços.

Alguns eleitoralistas, tendo em vista a idéia da celeridade no âmbito eleitoral,  interpretam que o prazo para contestar flui a partir da ciência da citação/notificação da representação/ação judicial.

Para que não houvesse dúvida, o legislador deveria ter sido explícito. Não foi na lei nem nas resoluções. Em que pese a nossa resistência e de muitos eleitoralistas no exercício de legislar por meio de resoluções, poderia o TSE ter aproveitado a Resolução nº 23.478/2016 para dar um norte neste assunto. Não fez.

É público e notório o advento do novo código de processo civil. Após ampla e controvertida discussão no meio eleitoralista, a Corte Superior Eleitoral editou, em 10 de maio de 2016, a Resolução nº 23.478/2016, que estabeleceu diretrizes gerais para a aplicação da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 – o Código de Processo Civil em vigor –, no âmbito da Justiça Eleitoral.

Sob o argumento da necessária celeridade, o TSE, por meio de Resolução, brecou a contagem dos prazos em dias úteis no âmbito processual eleitoral. Com todas as venias, a contagem em dias úteis não é o que atrasaria os julgamentos no âmbito da justiça eleitoral, mas sim o tempo que os processos param nos cartórios, nos gabinetes e nos trâmites recursais. O advento dos prazos em dias úteis foi para poupar o trabalho dos advogados nos finais de semanas e feriados. E todos os advogados agradecem!

Com certeza, não seria a contagem dos prazos em dias úteis que impediria a justiça eleitoral de dar a resposta devida à sociedade. O não cumprimento dos prazos pelos advogados sempre foi é será uma espécie de “morte fatal”! Tem que cumprir imediatamente!

O texto da Resolução do TSE nº 23.478/2016 fixou regra própria para a contagem dos prazos, verbis:

“Art. 2º Em razão da especialidade da matéria, as ações, os procedimentos e os recursos eleitorais permanecem regidos pelas normas específicas previstas na legislação eleitoral e nas instruções do Tribunal Superior Eleitoral.
Parágrafo único. A aplicação das regras do Novo Código de Processo Civil tem caráter supletivo e subsidiário em relação aos feitos que tramitam na Justiça Eleitoral, desde que haja compatibilidade sistêmica.
Art. 3º Aplicam-se aos processos eleitorais o contido nos arts. 9º e 10 do Novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015).
(…)
CAPÍTULO II
DOS PRAZOS
Art. 7º O disposto no art. 219 do Novo Código de Processo Civil não se aplica aos feitos eleitorais.
§ 1º Os prazos processuais, durante o período definido no calendário eleitoral, serão computados na forma do art. 16 da Lei Complementar nº 64, de 1990, não se suspendendo nos fins de semana ou feriados.
§ 2º Os prazos processuais, fora do período definido no calendário eleitoral, serão computados na forma do art. 224 do Novo Código de Processo Civil.
§ 3º Sempre que a lei eleitoral não fixar prazo especial, o recurso deverá ser interposto no prazo de 3 (três) dias, a teor do art. 258 do Código Eleitoral, não se aplicando os prazos previstos no Novo Código de Processo Civil.”


Diz o art. 219, do NCPC, vetado pelo TSE, verbis:

“Art. 219.  Na contagem de prazo em dias, estabelecido por lei ou pelo juiz, computar-se-ão somente os dias úteis.
Parágrafo único.  O disposto neste artigo aplica-se somente aos prazos processuais.”

A par disso, o TSE perdeu a oportunidade de acrescentar na Resolução regra para a contagem do prazo para contestar as representações e ações eleitorais. A prática da contagem dos prazos é confusa no âmbito dos Tribunais Regionais Eleitorais e suas respectivas zonas.


É importante de lembrar o art. 250 do Código de Processo Civil em vigor, o qual determina os procedimentos para citação/notificação por mandado sob responsabilidade de oficial de justiça. Frise-se, são raros os mandados de citação/notificação que são completos no sentido do citado artigo.

Lembremos o que o art. 250 do Código de Processo Civil estipula para o mandado:

“Art. 250.  O mandado que o oficial de justiça tiver de cumprir conterá:
I - os nomes do autor e do citando e seus respectivos domicílios ou residências;
II - a finalidade da citação, com todas as especificações constantes da petição inicial, bem como a menção do prazo para contestar, sob pena de revelia, ou para embargar a execução;
III - a aplicação de sanção para o caso de descumprimento da ordem, se houver;
IV - se for o caso, a intimação do citando para comparecer, acompanhado de advogado ou de defensor público, à audiência de conciliação ou de mediação, com a menção do dia, da hora e do lugar do comparecimento;
V - a cópia da petição inicial, do despacho ou da decisão que deferir tutela provisória;
VI - a assinatura do escrivão ou do chefe de secretaria e a declaração de que o subscreve por ordem do juiz.”

Acrescenta-se à pendenga a dúvida sobre o início da contagem do prazo para contestar. Conta-se da data da ciência da citação/notificação ou da juntada do mandado (do último quando há mais de um citado/notificado) devidamente cumprido pelo oficial de justiça?

Na prática, muitos advogados adotam a contagem dos prazos para contestar a partir da ciência da citação/notificação e não da juntada do mandado devidamente cumprido (ou do último mandado quando há mais de um citado/notificado) com medo de perder prazo. Isso significa, suprimir um  plus de tempo precioso na elaboração da peça de defesa.

Conclusão

Os tribunais já se posicionaram de que o prazo para contestar as representações/ações judicias fora do período eleitoral é o da juntada do mandado de citação/notificação devidamente cumprido pelo oficial de justiça. É necessário divulgar amplamente para que todas as instâncias judiciais eleitorais apliquem uniformemente tal contagem de prazo e façam constar explicitamente dos mandados de citação/notificação todos os elementos do art. 250 do Código de Processo Civil.

·      José Luís Blaszak é professor e advogado eleitoralista. Foi Juiz Membro do TRE/MT Biênio 2012/2014.
·      Email: jlblaszak@gmail.com




[1] SALGADO, Eneida Desiree; VALIATI, Thiago Priess; BERNARDELLI, Paula. O livre convencimento do juiz eleitoral versus a fundamentação analítica xigida pelo novo Código de Processo Civil. In TAVARES, André Ramos; AGRA, Walber de Moura; PEREIRA, Luiz Fernando (Coord.). O direito eleitoral e o novo Código de Processo Civil. Belo Horizonte: Forum, 2016. P. 338
[2] Art. 16 da LC nº 64/90
[3] Art. 224 do NCPC - Salvo disposição em contrário, os prazos serão contados excluindo o dia do começo e incluindo o dia do vencimento.
§ 1º Os dias do começo e do vencimento do prazo serão protraídos para o primeiro dia útil seguinte, se coincidirem com dia em que o expediente forense for encerrado antes ou iniciado depois da hora normal ou houver indisponibilidade da comunicação eletrônica.
§ 2º Considera-se como data de publicação o primeiro dia útil seguinte ao da disponibilização da informação no Diário da Justiça eletrônico.
§ 3º A contagem do prazo terá início no primeiro dia útil que seguir ao da publicação.
[4] ZILIO, Rodrigo López, Direito eleitoral. 5. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2016, p. 568
[5] Súmula 710 - STF: “No processo penal, contam-se os prazos da data da intimação, e não da juntada aos autos do mandado ou da carta precatória ou de ordem.”
[6] GOMES, José Jairo. Direito eleitoral. 12.ed. São Paulo: Atlas, 2016. p. 791