MATÉRIA DE ANDREZA MATAIS e FÁBIO FABRINI SOBRE A NOVA POLÊMICA NO DIREITO ELEITORAL. O TSE TIROU DO MINISTÉRIO PÚBLICO O PODER DE PEDIR A INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITOS POLICIAIS PARA INVESTIGAÇÃO DE CRIMES ELEITORAIS PARA AS ELEIÇÕES DE 2014.
Andreza Matais e Fabio Fabrini - O Estado de S.
Paulo
O Tribunal Superior Eleitoral tirou do Ministério Público o poder de
pedir a instauração de inquéritos policiais para investigação crimes nas
eleições deste ano. A partir de agora, promotores e procuradores terão de pedir
autorização à Justiça Eleitoral para abrir uma apuração de suspeita de caixa
dois, compra de votos, abuso de poder econômico, difamação e várias outras
práticas.
Até a eleição de 2012, o TSE tinha entendimento diferente. As resoluções
anteriores que regulavam as eleições diziam: "o inquérito policial
eleitoral somente será instaurado mediante requisição do Ministério Público ou
da Justiça Eleitoral".Para o pleito de 2014, os ministros mudaram o texto:
"o inquérito policial eleitoral somente será instaurado mediante determinação
da Justiça Eleitoral".Ou seja, o Ministério Público foi excluído.
O relator da nova norma, ministro José Antonio Dias Toffoli, que irá
assumir o comando da corte em maio, afirma que o tribunal mudou o entendimento
histórico por duas razões: processos que não tinham o aval inicial da Justiça
estavam sendo anulados; outra razão, garantir maior transparência. "O
Ministério Público terá que requerer à Justiça. O que não pode haver é uma
investigação de gaveta, que ninguém sabe se existe ou não existe. Qualquer investigação,
para se iniciar, tem que ter autorização da Justiça", diz. "A polícia
e o Ministério Público não podem agir de ofício."
O atual presidente do tribunal, ministro Marco Aurélio Mello, foi o
único contrário à restrição na corte ao considerar que "o sistema para
instauração de inquéritos não provém do Código Eleitoral, mas sim do Código
Penal, não cabendo afastar essa competência da Polícia Federal e do Ministério
Público."
O presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República,
Alexandre Camanho, afirmou que a medida é inconstitucional. "Se o MP pode
investigar, então ele pode requisitar à polícia que o faça. Isso também é parte
da investigação", afirmou. A associação não descarta ingressar com medida
judicial para derrubar a norma.
A nova regra, válida apenas para as eleições de 2014, foi publicada no
Diário de Justiça no dia 30 de dezembro e aprovada pelo plenário em sessão
administrativa 13 dias antes. O site do TSE divulgou a aprovação da norma à
meia noite e vinte do dia 18 de dezembro. Neste ano, serão eleitos presidente
da República, governadores, senadores, deputados federais e estaduais.
Para o ministro Dias Toffoli, a medida não irá atolar os juízes
eleitorais de processos. "A Justiça nunca faltou." Às vésperas da
eleição de 2012, contudo, o TSE ainda analisava cerca de 1.700 processos
referentes a eleição de 2008, mais da metade de corrupção eleitoral. A
Procuradoria Geral da República informou que não tem um levantamento de quantos
desses processos foram instaurados por iniciativa do Ministério Público.
A Polícia Federal também protestou quanto a medida. Para a instituição,
contudo, a regra já vale há mais tempo. Em audiência pública no TSE, realizada
no ano passado, o delegado Célio Jacinto dos Santos sugeriu que fosse permitido
ao órgão abrir inquérito sem a necessidade prévia de requisição ao Ministério
Público ou à Justiça Eleitoral. No entanto, o ministro Dias Toffoli ponderou:
"Qual a dificuldade da Polícia Federal em encaminhar um ofício ao
Ministério Público ou à Justiça Eleitoral fazendo essa requisição?".
Procurada, a PF disse que não iria se manifestar.
Para o juiz Marlon Reis, do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral
(MCCE), organização que propôs ao Congresso a Lei da Ficha-Limpa após ampla
coleta de assinaturas, a decisão é equivocada e pode trazer prejuízo à apuração
de irregularidades nas eleições deste ano.
"O Ministério Público precisa de liberdade para agir e deve ter
poder de requisição de inquéritos. Assim é em todo o âmbito da Justiça criminal
e da apuração de abusos. Não faz sentido que isso seja diminuído em matéria
eleitoral. Pelo contrário, os poderes deveriam ser ampliados, porque o MP atua
justamente como fiscal da aplicação da lei", critica.
Na
visão do magistrado, a regra introduzida pelo TSE este ano é inconstitucional,
pois "cria uma limitação ao MP que a Constituição não prevê". "O
MP tem poderes para requisitar inquéritos, inclusive exerce a função de
controle externo da atividade policial. Entendo que só com uma alteração
constitucional se poderia suprimir esses poderes", explica.
Além
da questão legal, Reis avalia que a resolução pode contribuir para abarrotar os
escaninhos da Justiça Eleitoral. "Em lugar de diminuir, isso vai aumentar
o número de demandas apresentadas diretamente ao Judiciário. Vai de encontro a
alternativas de agilização e de diminuição das ações", afirma.
O MCCE monitora abusos cometidos na corrida pelo voto. Uma das
principais preocupações em ano de eleições gerais, como 2014, é a compra do
apoio de lideranças políticas que exercem influência sobre eleitores. "É a
compra de votos no atacado", exemplifica Marlon Reis.