O nobre amigo GUSTAVO BINENBOJM, com o qual tivemos a honra de desfrutar a companhia na Comissão Nacional de Exame da OAB, escreve um artigo de extrema importância para o atual exercício do Direito Administrativo. É Bacharel em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (1994), Mestre em Direito Público pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2000), Master of Laws (LL.M.) pela Yale Law School (2003) e Doutor em Direito Público pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2006). Atualmente é Procurador do Estado do Rio de Janeiro, Professor Adjunto de Direito Administrativo da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e Professor de Cursos de Pós-Graduação da Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getúlio Vargas.
O Ministro LUIZ FUX, em tão pouco tempo no STF, já diz para o quê veio. Indicam, seu poucos votos, que veio para fazer a diferença naquela Suprema Corte, que estava com certos calos de vaidades. O Direito está ressurgindo.
O Ministro LUIZ FUX, em tão pouco tempo no STF, já diz para o quê veio. Indicam, seu poucos votos, que veio para fazer a diferença naquela Suprema Corte, que estava com certos calos de vaidades. O Direito está ressurgindo.
A Constituição da República, com 23 anos de idade, ainda que com 67 Emendas, possui seu texto base preservado. Os costumes, desde 1988, não se preservam. Assim, não s epreservam, também, o exercício efetivo das práticas administrativistas na seara do Direito Público. O Estado se modifica.
Modificando-se o Estado, modifica-se a hermenêutica jurídica. Logo, modifica-se o Direito.
Com essas singelas observações, faço introdução ao belo artigo escrito pelo colega GUSTAVO BINENBOJM. Afirmo que, tão breve seja disponibilizado os votos no STF, sobre o caso em tela, colocaremos à disposição dos interessados.
A ERA DO DIREITO ADMINISTRATIVO COMO RELIGIÃO JÁ ERA
O erudito voto proferido pelo ministro Luiz Fux no julgamento da ação direta (ADI 1.923-DF) em que se discute a constitucionalidade do modelo de organizações sociais, instituído pela lei 9.637/98, representa importante passo para o arejamento e a evolução do Direito Administrativo brasileiro. Seus sólidos fundamentos, cuja relevância transcende os estreitos lindes do caso concreto, prenunciam a abertura da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal para as transformações dos paradigmas da disciplina verificadas mundo afora e já captadas pelos modernos publicistas do país.
Logo de início, o voto afirma, com lucidez e argúcia, que não há um modelo de Estado único e inteiramente constitucionalizado no Brasil. Com efeito, embora constitucionalmente vinculado por lineamentos básicos e objetivos fundamentais, o tamanho e a formatação do Estado brasileiro dependerão das opções políticas determinadas por governos democraticamente eleitos. Em outras palavras, nossa moldura constitucional é suficientemente dúctil para abarcar diferentes desenhos institucionais e distintos projetos de intervenção estatal nos domínios econômico e social.
Lembrando o mau exemplo da Era Lochner, Fux descarta o uso do discurso constitucional como instrumento de oposição político-ideológica a modelos cujos contornos não foram exauridos pelo legislador constituinte, mas que sujeitos, por isso mesmo, à liberdade de conformação do legislador. Além do risco da cristalização de concepções ideológicas ultrapassadas, a hiperconstitucionalização do modelo de Estado exibe um potencial antidemocrático, na medida em que pode manietar as margens de deliberação legítimas de novas maiorias legislativas. Tudo isso foi registrado e apontado, de modo lapidar, no voto proferido.
As organizações sociais, portanto, não significam ou representam qualquer renúncia de tarefas públicas por parte do Estado. Como bem exposto no voto, não há uma reserva constitucional para o desempenho de serviços sociais por órgãos ou entidades estatais, senão apenas a exigência de que o Estado atue na promoção de determinados fins. Assim, as "OS" se afiguram como um modelo legal de fomento público, acompanhado de intensa regulação estatal, por meio do qual o Estado pretende atingir objetivos públicos de forma mais eficiente do que pela via de entidades próprias. Trata-se da indução da atividade do particular na direção do cumprimento de metas e obtenção de resultados de interesse público.
Vale salientar que o mesmo voto foi extremamente prudente em relação aos mecanismos de controle aplicáveis às "OS'. De fato, por meio de interpretação conforme à Constituição, afirmou-se que tanto o credenciamento das entidades como a seleção para a celebração do contrato de gestão (na verdade, um convênio) devem ser realizados mediante procedimento público, objetivo e impessoal, em reverência aos princípios reitores da Administração Pública (CF, art. 37, caput). Ademais, deixou-se clara a sujeição das "OS" aos controles do Ministério Público e do Tribunal de Contas, eis que situadas no âmbito constitucional de suas respectivas competências.
Por fim, o brilhante voto de Fux teve ainda o mérito de enunciar a chamada função regulatória da licitação, segundo a qual aos certames licitatórios podem ser atribuídos objetivos de indução a determinados comportamentos sociais e econômicos desejáveis. Assim, por exemplo, as licitações podem ser utilizadas para fomentar tecnologias ambientalmente limpas, o desenvolvimento das pequenas empresas ou, como no caso em questão, incentivar práticas sociais benéficas.
Resta aduzir, a bem da verdade, que tudo que se vem de dizer não confere garantia de sucesso ao modelo das organizações sociais. Há inúmeras outras razões, de ordem técnica, econômica e gerencial, que podem concorrer para o êxito ou fracasso do modelo. Essa é uma realidade que nada tem que ver com a discussão sobre a sua constitucionalidade.
Nada obstante isso, o voto do professor e ministro Luiz Fux cumpriu o importante papel de desmistificar a ideia de um regime jurídico-administrativo único, inflexível e atemporal, entrincheirado nas dobras da Constituição. Bem ao revés, ressai do voto uma visão pluralista e democrática do Direito Administrativo, comprometida tanto com seus princípios como com a realização eficiente de seus fins. A era do Direito Administrativo como religião já era.
JOSÉ LUÍS BLASZAK
Advogado e Professor de
Direito Administrativo e Eleitoral
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