*José Luís Blaszak
O advento da Lei nº
13.165/2015, a chamada reforma política, modificou pontos substanciais da Lei
nº 9.504/1997 – a Lei das Eleições. Uma das mudanças significativas foi a
alteração do prazo para a realização das convenções partidárias, passando de 12
a 30 de junho para 20 de julho a 5 de agosto do ano das eleições. A modificação atingiu diretamente o processo de desincompatibilização dos
servidores públicos.
Vejamos.
1. As
desincompatibilizações e as convenções partidárias
Os incisos II a VII, do art.
1º da Lei Complementar nº 64/90 elencam os servidores públicos que necessitam
desincompatibilizar dos cargos que ocupam na administração pública para concorrer
aos pleitos eleitorais.
Os afastamentos variam de 3
(três), 4 (quatro) e 6 (seis) meses da data das eleições.
Diz o texto da lei:
Art. 1º São
inelegíveis:
(...)
II - para
Presidente e Vice-Presidente da República:
a) até 6
(seis) meses depois de afastados definitivamente de seus cargos e funções:
1. os
Ministros de Estado:
2. os chefes
dos órgãos de assessoramento direto, civil e militar, da Presidência da
República;
3. o chefe
do órgão de assessoramento de informações da Presidência da República;
4. o chefe
do Estado-Maior das Forças Armadas;
5. o
Advogado-Geral da União e o Consultor-Geral da República;
6. os chefes
do Estado-Maior da Marinha, do Exército e da Aeronáutica;
7. os
Comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica;
8. os
Magistrados;
9. os
Presidentes, Diretores e Superintendentes de autarquias, empresas públicas,
sociedades de economia mista e fundações públicas e as mantidas pelo poder
público;
10. os
Governadores de Estado, do Distrito Federal e de Territórios;
11. os
Interventores Federais;
12, os
Secretários de Estado;
13. os
Prefeitos Municipais;
14. os
membros do Tribunal de Contas da União, dos Estados e do Distrito Federal;
15. o
Diretor-Geral do Departamento de Polícia Federal;
16. os
Secretários-Gerais, os Secretários-Executivos, os Secretários Nacionais, os
Secretários Federais dos Ministérios e as pessoas que ocupem cargos
equivalentes;
b) os que
tenham exercido, nos 6 (seis) meses anteriores à eleição, nos Estados, no
Distrito Federal, Territórios e em qualquer dos poderes da União, cargo ou
função, de nomeação pelo Presidente da República, sujeito à aprovação prévia do
Senado Federal;
c) (Vetado);
d) os que,
até 6 (seis) meses antes da eleição, tiverem competência ou interesse, direta,
indireta ou eventual, no lançamento, arrecadação ou fiscalização de impostos,
taxas e contribuições de caráter obrigatório, inclusive parafiscais, ou para
aplicar multas relacionadas com essas atividades;
e) os que,
até 6 (seis) meses antes da eleição, tenham exercido cargo ou função de
direção, administração ou representação nas empresas de que tratam os arts. 3°
e 5° da Lei n°
4.137, de 10 de setembro de 1962, quando, pelo âmbito e natureza de
suas atividades, possam tais empresas influir na economia nacional;
f) os que,
detendo o controle de empresas ou grupo de empresas que atuem no Brasil, nas
condições monopolísticas previstas no parágrafo único do art. 5° da lei citada
na alínea anterior, não apresentarem à Justiça Eleitoral, até 6 (seis) meses
antes do pleito, a prova de que fizeram cessar o abuso apurado, do poder
econômico, ou de que transferiram, por força regular, o controle de referidas
empresas ou grupo de empresas;
g) os que
tenham, dentro dos 4 (quatro) meses anteriores ao pleito, ocupado cargo ou
função de direção, administração ou representação em entidades representativas
de classe, mantidas, total ou parcialmente, por contribuições impostas pelo
poder Público ou com recursos arrecadados e repassados pela Previdência Social;
h) os que,
até 6 (seis) meses depois de afastados das funções, tenham exercido cargo de
Presidente, Diretor ou Superintendente de sociedades com objetivos exclusivos
de operações financeiras e façam publicamente apelo à poupança e ao crédito,
inclusive através de cooperativas e da empresa ou estabelecimentos que gozem,
sob qualquer forma, de vantagens asseguradas pelo poder público, salvo se
decorrentes de contratos que obedeçam a cláusulas uniformes;
i) os que,
dentro de 6 (seis) meses anteriores ao pleito, hajam exercido cargo ou função
de direção, administração ou representação em pessoa jurídica ou em empresa que
mantenha contrato de execução de obras, de prestação de serviços ou de
fornecimento de bens com órgão do Poder Público ou sob seu controle, salvo no
caso de contrato que obedeça a cláusulas uniformes;
j) os que,
membros do Ministério Público, não se tenham afastado das suas funções até 6
(seis)) meses anteriores ao pleito;
I) os que,
servidores públicos, estatutários ou não,»dos órgãos ou entidades da
Administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal,
dos Municípios e dos Territórios, inclusive das fundações mantidas pelo Poder
Público, não se afastarem até 3 (três) meses anteriores ao pleito, garantido o direito
à percepção dos seus vencimentos integrais;
III - para
Governador e Vice-Governador de Estado e do Distrito Federal;
a) os
inelegíveis para os cargos de Presidente e Vice-Presidente da República
especificados na alínea a do inciso II deste artigo e, no tocante às demais
alíneas, quando se tratar de repartição pública, associação ou empresas que
operem no território do Estado ou do Distrito Federal, observados os mesmos
prazos;
b) até 6
(seis) meses depois de afastados definitivamente de seus cargos ou funções:
1. os chefes
dos Gabinetes Civil e Militar do Governador do Estado ou do Distrito Federal;
2. os
comandantes do Distrito Naval, Região Militar e Zona Aérea;
3. os
diretores de órgãos estaduais ou sociedades de assistência aos Municípios;
4. os secretários
da administração municipal ou membros de órgãos congêneres;
IV - para Prefeito e Vice-Prefeito:
a) no que
lhes for aplicável, por identidade de situações, os inelegíveis para os cargos
de Presidente e Vice-Presidente da República, Governador e Vice-Governador de
Estado e do Distrito Federal, observado o prazo de 4 (quatro) meses para a
desincompatibilização;
b) os
membros do Ministério Público e Defensoria Pública em exercício na Comarca, nos
4 (quatro) meses anteriores ao pleito, sem prejuízo dos vencimentos integrais;
c) as
autoridades policiais, civis ou militares, com exercício no Município, nos 4
(quatro) meses anteriores ao pleito;
V - para o
Senado Federal:
a) os
inelegíveis para os cargos de Presidente e Vice-Presidente da República especificados
na alínea a do inciso II deste artigo e, no tocante às demais alíneas, quando
se tratar de repartição pública, associação ou empresa que opere no território
do Estado, observados os mesmos prazos;
b) em cada
Estado e no Distrito Federal, os inelegíveis para os cargos de Governador e
Vice-Governador, nas mesmas condições estabelecidas, observados os mesmos
prazos;
VI - para a
Câmara dos Deputados, Assembléia Legislativa e Câmara Legislativa, no que lhes
for aplicável, por identidade de situações, os inelegíveis para o Senado
Federal, nas mesmas condições estabelecidas, observados os mesmos prazos;
VII - para a Câmara Municipal:
a) no que
lhes for aplicável, por identidade de situações, os inelegíveis para o Senado
Federal e para a Câmara dos Deputados, observado o prazo de 6 (seis) meses para
a desincompatibilização;
b) em cada
Município, os inelegíveis para os cargos de Prefeito e Vice-Prefeito, observado
o prazo de 6 (seis) meses para a desincompatibilização .
§ 1° Para
concorrência a outros cargos, o Presidente da República, os Governadores de
Estado e do Distrito Federal e os Prefeitos devem renunciar aos respectivos
mandatos até 6 (seis) meses antes do pleito.
§ 2° O
Vice-Presidente, o Vice-Governador e o Vice-Prefeito poderão candidatar-se a
outros cargos, preservando os seus mandatos respectivos, desde que, nos últimos
6 (seis) meses anteriores ao pleito, não tenham sucedido ou substituído o
titular.
§ 3° São inelegíveis, no território de jurisdição
do titular, o cônjuge e os parentes, consangüíneos ou afins, até o segundo grau
ou por adoção, do Presidente da República, de Governador de Estado ou
Território, do Distrito Federal, de Prefeito ou de quem os haja substituído
dentro dos 6 (seis) meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato
eletivo e candidato à reeleição.
§ 4o
A inelegibilidade prevista na alínea e
do inciso I deste artigo não se aplica aos crimes culposos e àqueles definidos
em lei como de menor potencial ofensivo, nem aos crimes de ação penal
privada. (Incluído
pela Lei Complementar nº 135, de 2010)
§ 5o A renúncia para atender à
desincompatibilização com vistas a candidatura a cargo eletivo ou para assunção
de mandato não gerará a inelegibilidade prevista na alínea k, a menos que a
Justiça Eleitoral reconheça fraude ao disposto nesta Lei Complementar. (Incluído
pela Lei Complementar nº 135, de 2010)[1]
Estas desincompatibilizações
seguem dois ritos distintos: do direito eleitoral e o do direito
administrativo.
O direito eleitoral estabelece
a necessidade dos servidores públicos de comprovarem o afastamento dos seus
respectivos cargos para serem candidatos, sob pano de fundo a preservação da
igualdade de condições entre os concorrentes. Nesta seara basta a comprovação no
ato do pedido de registro de candidatura do requerimento de
desincompatibilização efetuado no órgão competente, independentemente de
deferimento. Os afastamentos devem dar-se dos cargos ocupados por servidores
efetivos e em comissão.
Na ótica do direito
administrativo, por sua vez, os servidores que ocupam cargos em comissão devem
requerer a exoneração, enquanto os que ocupam cargos efetivos devem ser meramente
licenciados. Frisa-se que há a possibilidade de um servidor efetivo ocupar um
cargo em comissão. No caso, ele deve requerer a exoneração da função em comissão
e a licença do cargo efetivo para fins políticos. Quando for registrada a sua
candidatura na justiça eleitoral ele perceberá a remuneração do cargo original
efetivo no período entre o registro de candidatura e a data da eleição, período
licenciado.
O pedido de afastamento junto
ao órgão público onde o servidor é lotado, sob às regras administrativistas, deve
primar a legalidade e a transparência, pilares do interesse público.
Os estatutos dos servidores
públicos, em geral, constam a possibilidade de afastamento temporário para
concorrer às eleições, preservando a remuneração a partir do registro da
candidatura.
Tomamos como exemplo o
estatuto do servidor público federal – lei nº 8.112/90, que empresta redação a
muitos estatutos estaduais e municipais. O art. 86 ss dispõe, verbis:
Da Licença para Atividade Política
Art. 86. O servidor terá direito a licença, sem remuneração, durante o
período que mediar entre a sua escolha em convenção partidária, como candidato
a cargo eletivo, e a véspera do registro de sua candidatura perante a Justiça
Eleitoral.
§ 1º O servidor candidato a cargo eletivo na localidade
onde desempenha suas funções e que exerça cargo de direção, chefia,
assessoramento, arrecadação ou fiscalização, dele será afastado, a partir do
dia imediato ao do registro de sua candidatura perante a Justiça Eleitoral, até
o décimo dia seguinte ao do pleito. (Redação dada
pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)
§ 2º A
partir do registro da candidatura e até o décimo dia seguinte ao da eleição, o
servidor fará jus à licença, assegurados os vencimentos do cargo efetivo,
somente pelo período de três meses. (Redação dada
pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)[2] (grifo nosso)
Anteriormente à lei nº
13.165/15 a escolha dos candidatos em convenção partidária se dava entre os dias 12 e 30 de junho do ano eleitoral,
ou seja, com 3 (três) meses de antecedência da data das eleições.
Imediatamente após a escolha
dos candidatos nas convenções, de posse da ata, é que os servidores públicos
protocolizavam os pedidos de afastamentos perante os órgãos públicos
correspondentes. Após o registro da candidatura o servidor fazia a juntada da
comprovação do registro de candidatura efetuado na justiça eleitoral.
Antes não havia prejuízo
financeiro aos servidores que necessitavam de afastamento de 3 (três) meses da
data da eleição (estes o maior número de licenciados no país), pois terminada a
convenção se fazia o pedido de registro de candidatura, o qual tinha data
fixada para até o dia 5 (cinco) de julho, coincidindo os 3 (três) meses de
desincompatibilização com o período de convenções partidárias.
Agora, porém, com as
alterações do prazo das convenções partidárias, o período para realização
destas passou a ser de 20 de julho a
5 de agosto. Portanto, 57 (cinquenta e sete) dias das eleições, conforme
o atualizado art. 8º da Lei nº 9.504/1997, verbis:
Art.
8º - A escolha dos candidatos pelos partidos e a deliberação sobre
coligações deverão ser feitas no período de
20 de julho a 5 de agosto do ano em que se realizarem as eleições,
lavrando-se a respectiva ata em livro aberto, rubricado pela Justiça Eleitoral,
publicada em vinte e quatro horas em qualquer meio de comunicação. (Redação dada
pela Lei nº 13.165, de 2015)[3]
(grifo nosso)
A Resolução do TSE nº
23.455/2015 reproduz de forma idêntica o texto da lei no seu art. 8º.
A conclusão óbvia é de que os
servidores públicos federais, bem como aqueles que possuem estatuto de igual
redação, ao se afastarem com 3 (três) meses de antecedência das eleições
deverão arcar com o ônus financeiro a
partir de 2 de julho até 15 de agosto (44 dias), uma vez que o estatuto
federal diz que “O servidor terá direito
a licença, sem remuneração, durante o período que mediar entre a sua escolha em
convenção partidária, como candidato a cargo eletivo, e a véspera do registro
de sua candidatura perante a Justiça Eleitoral.”. Maior ônus arcarão os
servidores que necessitam se afastar com 4 (quatro) e 6 (seis) meses da data
das eleições.
2.
Comprovação da candidatura e o princípio da boa fé
Surge outra questão que merece
especial atenção, ou seja, a comprovação junto ao órgão no qual o servidor é
lotado de que ele será candidato pelo seu partido.
Anteriormente à modificação do
prazo para as convenções o servidor protocolizava o requerimento de afastamento
com a cópia da ata; agora, o servidor não terá nenhum documento hábil que comprovará
a sua escolha pelo partido, pois sequer terá acontecido as convenções.
Abre-se, então, uma série de
questionamentos sobre qual a documentação que o servidor deverá juntar no ato
do seu pedido administrativo de desincompatibilização.
Penso que o princípio da
boa-fé deverá imperar a partir de agora, uma vez que não se pode exigir do
servidor uma declaração fornecida pelo partido de que ele é pré-candidato.
Isso, colocaria os servidores como reféns de diretórios partidários. Qualquer
filiado pode ser pré-candidato. O filtro se dará na convenção. O máximo que
poderia se exigir do servidor neste caso é a comprovação de que ele é filiado
no partido. Após a convenção o servidor deverá juntar obrigatoriamente a ata,
atestando, ao menos, a sua pré-candidatura.
Caso o servidor não comprove
que sequer participou da convenção como pré-candidato ele poderá sofrer
processo administrativo disciplinar, ainda que tenha licenciado sem
remuneração.
Poderá responder um PAD porque
a questão centra-se no poder discricionário que a administração pública teria
para deferir ou indeferir a licença caso ele tivesse requerido para outros
fins. A licença para fins de candidatar-se a cargo político é de direito do
servidor, não cabendo juízo discricionário do seu superior para deferir ou
indeferir.
Assim, entendo que a
administração pública deverá dar um voto de confiança aos servidores que
requererem afastamentos para fins políticos, homenageando o princípio da boa
fé.
3. Conclusão
Conclui-se, mais uma vez, que
a reforma política introduzida pela Lei nº 13.165/2015 foi feita aos atropelos,
sem esgotar a discussão sobre o alcance dos seus efeitos. Dentre tantos outros
pontos negativos da reforma, os aqui elencados se destacam por conta dos
inúmeros casos de desincompatibilizações a serem requeridos por servidores
públicos municipais, estaduais e federais para concorrerem a uma vaga nas
eleições que se avizinham.
*JOSÉ LUÍS BLASZAK, advogado eleitoralista, professor de direito
eleitoral e direito administrativo, ex-juiz membro do TRE/MT.