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sexta-feira, 1 de abril de 2016

AS DESINCOMPATIBILIZAÇÕES DE SERVIDORES PÚBLICOS, AS CONVENÇÕES PARTIDÁRIAS E O PRINCÍPIO DA BOA FÉ



*José Luís Blaszak
O advento da Lei nº 13.165/2015, a chamada reforma política, modificou pontos substanciais da Lei nº 9.504/1997 – a Lei das Eleições. Uma das mudanças significativas foi a alteração do prazo para a realização das convenções partidárias, passando de 12 a 30 de junho para 20 de julho a 5 de agosto do ano das eleições. A modificação atingiu diretamente o processo de desincompatibilização dos servidores públicos.
Vejamos.
1. As desincompatibilizações e as convenções partidárias
Os incisos II a VII, do art. 1º da Lei Complementar nº 64/90 elencam os servidores públicos que necessitam desincompatibilizar dos cargos que ocupam na administração pública para concorrer aos pleitos eleitorais.
Os afastamentos variam de 3 (três), 4 (quatro) e 6 (seis) meses da data das eleições.
Diz o texto da lei:
Art. 1º São inelegíveis:
(...)
II - para Presidente e Vice-Presidente da República:
a) até 6 (seis) meses depois de afastados definitivamente de seus cargos e funções:
1. os Ministros de Estado:
2. os chefes dos órgãos de assessoramento direto, civil e militar, da Presidência da República;
3. o chefe do órgão de assessoramento de informações da Presidência da República;
4. o chefe do Estado-Maior das Forças Armadas;
5. o Advogado-Geral da União e o Consultor-Geral da República;
6. os chefes do Estado-Maior da Marinha, do Exército e da Aeronáutica;
7. os Comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica;
8. os Magistrados;
9. os Presidentes, Diretores e Superintendentes de autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações públicas e as mantidas pelo poder público;
10. os Governadores de Estado, do Distrito Federal e de Territórios;
11. os Interventores Federais;
12, os Secretários de Estado;
13. os Prefeitos Municipais;
14. os membros do Tribunal de Contas da União, dos Estados e do Distrito Federal;
15. o Diretor-Geral do Departamento de Polícia Federal;
16. os Secretários-Gerais, os Secretários-Executivos, os Secretários Nacionais, os Secretários Federais dos Ministérios e as pessoas que ocupem cargos equivalentes;
b) os que tenham exercido, nos 6 (seis) meses anteriores à eleição, nos Estados, no Distrito Federal, Territórios e em qualquer dos poderes da União, cargo ou função, de nomeação pelo Presidente da República, sujeito à aprovação prévia do Senado Federal;
c) (Vetado);
d) os que, até 6 (seis) meses antes da eleição, tiverem competência ou interesse, direta, indireta ou eventual, no lançamento, arrecadação ou fiscalização de impostos, taxas e contribuições de caráter obrigatório, inclusive parafiscais, ou para aplicar multas relacionadas com essas atividades;
e) os que, até 6 (seis) meses antes da eleição, tenham exercido cargo ou função de direção, administração ou representação nas empresas de que tratam os arts. 3° e 5° da Lei n° 4.137, de 10 de setembro de 1962, quando, pelo âmbito e natureza de suas atividades, possam tais empresas influir na economia nacional;
f) os que, detendo o controle de empresas ou grupo de empresas que atuem no Brasil, nas condições monopolísticas previstas no parágrafo único do art. 5° da lei citada na alínea anterior, não apresentarem à Justiça Eleitoral, até 6 (seis) meses antes do pleito, a prova de que fizeram cessar o abuso apurado, do poder econômico, ou de que transferiram, por força regular, o controle de referidas empresas ou grupo de empresas;
g) os que tenham, dentro dos 4 (quatro) meses anteriores ao pleito, ocupado cargo ou função de direção, administração ou representação em entidades representativas de classe, mantidas, total ou parcialmente, por contribuições impostas pelo poder Público ou com recursos arrecadados e repassados pela Previdência Social;
h) os que, até 6 (seis) meses depois de afastados das funções, tenham exercido cargo de Presidente, Diretor ou Superintendente de sociedades com objetivos exclusivos de operações financeiras e façam publicamente apelo à poupança e ao crédito, inclusive através de cooperativas e da empresa ou estabelecimentos que gozem, sob qualquer forma, de vantagens asseguradas pelo poder público, salvo se decorrentes de contratos que obedeçam a cláusulas uniformes;
i) os que, dentro de 6 (seis) meses anteriores ao pleito, hajam exercido cargo ou função de direção, administração ou representação em pessoa jurídica ou em empresa que mantenha contrato de execução de obras, de prestação de serviços ou de fornecimento de bens com órgão do Poder Público ou sob seu controle, salvo no caso de contrato que obedeça a cláusulas uniformes;
j) os que, membros do Ministério Público, não se tenham afastado das suas funções até 6 (seis)) meses anteriores ao pleito;
I) os que, servidores públicos, estatutários ou não,»dos órgãos ou entidades da Administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e dos Territórios, inclusive das fundações mantidas pelo Poder Público, não se afastarem até 3 (três) meses anteriores ao pleito, garantido o direito à percepção dos seus vencimentos integrais;
III - para Governador e Vice-Governador de Estado e do Distrito Federal;
a) os inelegíveis para os cargos de Presidente e Vice-Presidente da República especificados na alínea a do inciso II deste artigo e, no tocante às demais alíneas, quando se tratar de repartição pública, associação ou empresas que operem no território do Estado ou do Distrito Federal, observados os mesmos prazos;
b) até 6 (seis) meses depois de afastados definitivamente de seus cargos ou funções:
1. os chefes dos Gabinetes Civil e Militar do Governador do Estado ou do Distrito Federal;
2. os comandantes do Distrito Naval, Região Militar e Zona Aérea;
3. os diretores de órgãos estaduais ou sociedades de assistência aos Municípios;
4. os secretários da administração municipal ou membros de órgãos congêneres;
IV - para Prefeito e Vice-Prefeito:
a) no que lhes for aplicável, por identidade de situações, os inelegíveis para os cargos de Presidente e Vice-Presidente da República, Governador e Vice-Governador de Estado e do Distrito Federal, observado o prazo de 4 (quatro) meses para a desincompatibilização;
b) os membros do Ministério Público e Defensoria Pública em exercício na Comarca, nos 4 (quatro) meses anteriores ao pleito, sem prejuízo dos vencimentos integrais;
c) as autoridades policiais, civis ou militares, com exercício no Município, nos 4 (quatro) meses anteriores ao pleito;
V - para o Senado Federal:
a) os inelegíveis para os cargos de Presidente e Vice-Presidente da República especificados na alínea a do inciso II deste artigo e, no tocante às demais alíneas, quando se tratar de repartição pública, associação ou empresa que opere no território do Estado, observados os mesmos prazos;
b) em cada Estado e no Distrito Federal, os inelegíveis para os cargos de Governador e Vice-Governador, nas mesmas condições estabelecidas, observados os mesmos prazos;
VI - para a Câmara dos Deputados, Assembléia Legislativa e Câmara Legislativa, no que lhes for aplicável, por identidade de situações, os inelegíveis para o Senado Federal, nas mesmas condições estabelecidas, observados os mesmos prazos;
VII - para a Câmara Municipal:
a) no que lhes for aplicável, por identidade de situações, os inelegíveis para o Senado Federal e para a Câmara dos Deputados, observado o prazo de 6 (seis) meses para a desincompatibilização;
b) em cada Município, os inelegíveis para os cargos de Prefeito e Vice-Prefeito, observado o prazo de 6 (seis) meses para a desincompatibilização .
§ 1° Para concorrência a outros cargos, o Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal e os Prefeitos devem renunciar aos respectivos mandatos até 6 (seis) meses antes do pleito.
§ 2° O Vice-Presidente, o Vice-Governador e o Vice-Prefeito poderão candidatar-se a outros cargos, preservando os seus mandatos respectivos, desde que, nos últimos 6 (seis) meses anteriores ao pleito, não tenham sucedido ou substituído o titular.
§ 3°  São inelegíveis, no território de jurisdição do titular, o cônjuge e os parentes, consangüíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do Presidente da República, de Governador de Estado ou Território, do Distrito Federal, de Prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos 6 (seis) meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição.
§ 4o  A inelegibilidade prevista na alínea e do inciso I deste artigo não se aplica aos crimes culposos e àqueles definidos em lei como de menor potencial ofensivo, nem aos crimes de ação penal privada. (Incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010)
§ 5o  A renúncia para atender à desincompatibilização com vistas a candidatura a cargo eletivo ou para assunção de mandato não gerará a inelegibilidade prevista na alínea k, a menos que a Justiça Eleitoral reconheça fraude ao disposto nesta Lei Complementar. (Incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010)[1]
Estas desincompatibilizações seguem dois ritos distintos: do direito eleitoral e o do direito administrativo.
O direito eleitoral estabelece a necessidade dos servidores públicos de comprovarem o afastamento dos seus respectivos cargos para serem candidatos, sob pano de fundo a preservação da igualdade de condições entre os concorrentes. Nesta seara basta a comprovação no ato do pedido de registro de candidatura do requerimento de desincompatibilização efetuado no órgão competente, independentemente de deferimento. Os afastamentos devem dar-se dos cargos ocupados por servidores efetivos e em comissão.
Na ótica do direito administrativo, por sua vez, os servidores que ocupam cargos em comissão devem requerer a exoneração, enquanto os que ocupam cargos efetivos devem ser meramente licenciados. Frisa-se que há a possibilidade de um servidor efetivo ocupar um cargo em comissão. No caso, ele deve requerer a exoneração da função em comissão e a licença do cargo efetivo para fins políticos. Quando for registrada a sua candidatura na justiça eleitoral ele perceberá a remuneração do cargo original efetivo no período entre o registro de candidatura e a data da eleição, período licenciado.
O pedido de afastamento junto ao órgão público onde o servidor é lotado, sob às regras administrativistas, deve primar a legalidade e a transparência, pilares do interesse público.
Os estatutos dos servidores públicos, em geral, constam a possibilidade de afastamento temporário para concorrer às eleições, preservando a remuneração a partir do registro da candidatura.
Tomamos como exemplo o estatuto do servidor público federal – lei nº 8.112/90, que empresta redação a muitos estatutos estaduais e municipais. O art. 86 ss dispõe, verbis:
Da Licença para Atividade Política

Art. 86.  O servidor terá direito a licença, sem remuneração, durante o período que mediar entre a sua escolha em convenção partidária, como candidato a cargo eletivo, e a véspera do registro de sua candidatura perante a Justiça Eleitoral.
       
§ 1º  O servidor candidato a cargo eletivo na localidade onde desempenha suas funções e que exerça cargo de direção, chefia, assessoramento, arrecadação ou fiscalização, dele será afastado, a partir do dia imediato ao do registro de sua candidatura perante a Justiça Eleitoral, até o décimo dia seguinte ao do pleito. (Redação dada pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)

§ 2º  A partir do registro da candidatura e até o décimo dia seguinte ao da eleição, o servidor fará jus à licença, assegurados os vencimentos do cargo efetivo, somente pelo período de três meses. (Redação dada pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)[2] (grifo nosso)
Anteriormente à lei nº 13.165/15 a escolha dos candidatos em convenção partidária se dava entre os dias 12 e 30 de junho do ano eleitoral, ou seja, com 3 (três) meses de antecedência da data das eleições.
Imediatamente após a escolha dos candidatos nas convenções, de posse da ata, é que os servidores públicos protocolizavam os pedidos de afastamentos perante os órgãos públicos correspondentes. Após o registro da candidatura o servidor fazia a juntada da comprovação do registro de candidatura efetuado na justiça eleitoral.
Antes não havia prejuízo financeiro aos servidores que necessitavam de afastamento de 3 (três) meses da data da eleição (estes o maior número de licenciados no país), pois terminada a convenção se fazia o pedido de registro de candidatura, o qual tinha data fixada para até o dia 5 (cinco) de julho, coincidindo os 3 (três) meses de desincompatibilização com o período de convenções partidárias.
Agora, porém, com as alterações do prazo das convenções partidárias, o período para realização destas passou a ser de 20 de julho a 5 de agosto. Portanto, 57 (cinquenta e sete) dias das eleições, conforme o atualizado art. 8º da Lei nº 9.504/1997, verbis:
Art. 8º -  A escolha dos candidatos pelos partidos e a deliberação sobre coligações deverão ser feitas no período de 20 de julho a 5 de agosto do ano em que se realizarem as eleições, lavrando-se a respectiva ata em livro aberto, rubricado pela Justiça Eleitoral, publicada em vinte e quatro horas em qualquer meio de comunicação. (Redação dada pela Lei nº 13.165, de 2015)[3] (grifo nosso)
A Resolução do TSE nº 23.455/2015 reproduz de forma idêntica o texto da lei no seu art. 8º.
A conclusão óbvia é de que os servidores públicos federais, bem como aqueles que possuem estatuto de igual redação, ao se afastarem com 3 (três) meses de antecedência das eleições deverão arcar com o ônus financeiro a partir de 2 de julho até 15 de agosto (44 dias), uma vez que o estatuto federal diz que “O servidor terá direito a licença, sem remuneração, durante o período que mediar entre a sua escolha em convenção partidária, como candidato a cargo eletivo, e a véspera do registro de sua candidatura perante a Justiça Eleitoral.”. Maior ônus arcarão os servidores que necessitam se afastar com 4 (quatro) e 6 (seis) meses da data das eleições.
2. Comprovação da candidatura e o princípio da boa fé
Surge outra questão que merece especial atenção, ou seja, a comprovação junto ao órgão no qual o servidor é lotado de que ele será candidato pelo seu partido.
Anteriormente à modificação do prazo para as convenções o servidor protocolizava o requerimento de afastamento com a cópia da ata; agora, o servidor não terá nenhum documento hábil que comprovará a sua escolha pelo partido, pois sequer terá acontecido as convenções.
Abre-se, então, uma série de questionamentos sobre qual a documentação que o servidor deverá juntar no ato do seu pedido administrativo de desincompatibilização.
Penso que o princípio da boa-fé deverá imperar a partir de agora, uma vez que não se pode exigir do servidor uma declaração fornecida pelo partido de que ele é pré-candidato. Isso, colocaria os servidores como reféns de diretórios partidários. Qualquer filiado pode ser pré-candidato. O filtro se dará na convenção. O máximo que poderia se exigir do servidor neste caso é a comprovação de que ele é filiado no partido. Após a convenção o servidor deverá juntar obrigatoriamente a ata, atestando, ao menos, a sua pré-candidatura.
Caso o servidor não comprove que sequer participou da convenção como pré-candidato ele poderá sofrer processo administrativo disciplinar, ainda que tenha licenciado sem remuneração.
Poderá responder um PAD porque a questão centra-se no poder discricionário que a administração pública teria para deferir ou indeferir a licença caso ele tivesse requerido para outros fins. A licença para fins de candidatar-se a cargo político é de direito do servidor, não cabendo juízo discricionário do seu superior para deferir ou indeferir.
Assim, entendo que a administração pública deverá dar um voto de confiança aos servidores que requererem afastamentos para fins políticos, homenageando o princípio da boa fé.
3. Conclusão
Conclui-se, mais uma vez, que a reforma política introduzida pela Lei nº 13.165/2015 foi feita aos atropelos, sem esgotar a discussão sobre o alcance dos seus efeitos. Dentre tantos outros pontos negativos da reforma, os aqui elencados se destacam por conta dos inúmeros casos de desincompatibilizações a serem requeridos por servidores públicos municipais, estaduais e federais para concorrerem a uma vaga nas eleições que se avizinham.

*JOSÉ LUÍS BLASZAK, advogado eleitoralista, professor de direito eleitoral e direito administrativo, ex-juiz membro do TRE/MT.






[1] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp64.htm
[2] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8112cons.htm
[3] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9504.htm

terça-feira, 29 de março de 2016

OS LIMITES DOS EFEITOS DA FALTA DE QUITAÇÃO ELEITORAL

*José Luís Blaszak
O comando positivo da norma delimita didaticamente a quitação eleitoral. O § 7º do artigo 10 da Lei nº 9.504/97 expressa, verbis:
“A certidão de quitação eleitoral abrangerá exclusivamente a plenitude do gozo dos direitos políticos, o regular exercício do voto, o atendimento a convocações da Justiça Eleitoral para auxiliar os trabalhos relativos ao pleito, a inexistência de multas aplicadas, em caráter definitivo, pela Justiça Eleitoral e não remitidas, e a apresentação de contas de campanha eleitoral.”[1] 
O § 8º do mesmo artigo diz que considerar-se-ão quites aqueles que:
“I - condenados ao pagamento de multa, tenham, até a data da formalização do seu pedido de registro de candidatura, comprovado o pagamento ou o parcelamento da dívida regularmente cumprido;       
II - pagarem a multa que lhes couber individualmente, excluindo-se qualquer modalidade de responsabilidade solidária, mesmo quando imposta concomitantemente com outros candidatos e em razão do mesmo fato.        
III - o parcelamento das multas eleitorais é direito do cidadão, seja ele eleitor ou candidato, e dos partidos políticos, podendo ser parceladas em até 60 (sessenta) meses, desde que não ultrapasse o limite de 10% (dez por cento) de sua renda.”[2]
O descumprimento do que é delimitado no §7º gera irregularidade suficiente para pendências com a Justiça Eleitoral. Estas pendências ficam registradas nos cartórios das zonas eleitorais, impedindo a expedição de certidão de quitação eleitoral.
O §8º abre exceção com referência às irregularidades com penas de multas.
Na seara eleitoral a ausência de condições de registrabilidade é a consequência mais grave pela falta de quitação.
Há tempo se comete graves equívocos referente ao alcance dos efeitos da falta de quitação eleitoral. O maior deles é a extrapolação dos efeitos para a vida civil. É comum atos abusivos decorrentes de uma errada hermenêutica.
Constantemente se vê a administração pública negar posse a candidatos aprovados em concursos públicos por conta da falta de quitação eleitoral, ou ainda, negar a expedição de passaporte.
O Tribunal Superior Eleitoral já sacramentou a matéria, firmando jurisprudência no sentido de que os efeitos da falta de quitação  deve se limitar à esfera eleitoral.
Vejamos.
“QUITAÇÃO ELEITORAL. SUSPENSÃO DE DIREITOS POLÍTICOS. CONDENAÇÃO CRIMINAL DEFINITIVA. EFEITOS. IMPOSSIBILIDADE. IMPEDIMENTOS. ATOS DA VIDA CIVIL. LEGISLAÇÃO ELEITORAL. APLICAÇÃO RESTRITIVA. LEGALIDADE ESTRITA. POSSIBILIDADE. FORNECIMENTO. CERTIDÃO. SITUAÇÃO ELEITORAL.
 A restrição ao fornecimento de quitação eleitoral ao condenado criminalmente por decisão irrecorrível decorre do alcance do instituto, positivado pelo legislador ordinário, conforme a orientação inicialmente fixada pelo Tribunal Superior Eleitoral (Res.-TSE nº 21.823, de 15 de junho de 2004), a contemplar, entre outros requisitos, a plenitude do gozo dos direitos políticos.
 A exigência de documentos originários da Justiça Eleitoral como condição para o exercício de atos da vida civil, à margem dos impedimentos legalmente estabelecidos em razão do descumprimento das obrigações relativas ao voto, representa ofensa a garantia fundamental, haja vista o caráter restritivo das aludidas normas.
Possibilidade de fornecimento, pela Justiça Eleitoral, de certidões que reflitam a suspensão de direitos políticos, das quais constem a natureza da restrição e o impedimento, durante a sua vigência, do exercício do voto e da regularização da situação eleitoral.”[3]
Extrai-se do destacado voto do eminente Ministro FELIX FISCHER, as seguintes assertivas, verbis:
“O conceito de quitação eleitoral, por seu turno, definido inicialmente em resolução deste Tribunal (Res.-TSE nº 21.823, de 15 de junho de 2004), posteriormente, foi positivado pelo legislador ordinário, passando a dispor o § 7° do art.  11 da  Lei    9.504,  de  1997,  acrescentado  pela  Lei nº 12.034, de 29 de setembro de 2009:
Art. 11. (...)
(...)
§ 7° A certidão de quitação eleitoral abrangerá exclusivamente a plenitude do gozo dos direitos políticos, o regular exercício do voto, o atendimento a convocações da Justiça Eleitoral para auxiliar os trabalhos relativos ao pleito, a inexistência de multas aplicadas, em caráter definitivo, pela Justiça Eleitoral e não remitidas, e a apresentação  de contas de campanha  eleitoral.
Relativamente ao entrave posto à inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) perante a Receita Federal, de igual  modo  indicado como documento exigido para a obtenção da vaga de trabalho, consoante também esclarece a informação da Corregedoria-Geral , a propna regulamentação daquele órgão, consubstanciada na Instrução Normativa RFB nº 864, de 25 de julho de 2008, admite a realização de inscrições de ofício, entre outras hipóteses, por determinação judicial (art. 11, V). Bastará, portanto, quanto ao ponto, decisão do juízo da execução penal ordenando a expedição do CPF aos beneficiados com o programa.
Observo ainda, em derradeira análise, que as limitações ao gozo de direitos na órbita civil, estabelecidas pela legislação eleitoral em face do não cumprimento da obrigação relativa ao exercício do voto, da satisfação da multa correspondente ou da apresentação de justificativa para a falta, se restringem aos contornos do § 1° do art. 7° do Código Eleitoral, que assim dispõe:
Art. 7° (...)
§ 1° Sem a prova de que votou na última eleição, pagou a respectiva multa ou de que se justificou devidamente, não poderá o eleitor:
I - inscrever-se em concurso ou prova para cargo ou função pública, investir-se ou empossar-se neles;
II - receber vencimentos, remuneração, salário ou proventos de função ou emprego público, autárquico ou para estatal, bem como fundações governamentais, empresas, institutos e sociedades de qualquer natureza, mantidas ou subvencionadas pelo governo ou que exerçam serviço público delegado, correspondentes ao segundo mês subseqüente ao da eleição;
III - participar de concorrência pública ou administrativa da União, dos Estados, dos Territórios, do Distrito Federal ou dos Municípios, ou das respectivas autarquias;
- obter empréstimos nas autarquias, sociedades de economia mista, caixas econômicas federais ou estaduais, nos institutos e caixas de previdência social, bem como em qualquer estabelecimento de crédito mantido pelo governo, ou de cuja administração este participe, e com essas entidades celebrar contratos;
- obter passaporte ou carteira de identidade;
- renovar matrícula em estabelecimento de ensino oficial ou fiscalizado pelo governo;
- praticar qualquer ato para o qual se exija quitação do serviço militar ou imposto de renda.
(...).
Tendo em conta que às normas restritivas de direito dar-se-á interpretação restritiva, reputo, como conclusão, que se harmoniza com o ordenamento constitucional a de que outros óbices ao exercício de atos da vida civil, como o noticiado nestes autos, de exigir-se a quitação eleitoral para a obtenção de emprego - sem explícito amparo em lei -, representa ofensa a garantia fundamental, pelo que se contém no art. 5°, li, da Constituição da República.
Em síntese, incompassível se revela - diante do quadro delineado pelo art. 15, Ili, da Carta Magna - com o ordenamento jurídico, no contexto fático destes autos, qualquer exigência de documentos expedidos pela Justiça Eleitoral que desborde da simples certificação da situação eleitoral (suspensão de direitos políticos), à qual se acrescerá a natureza da restrição e o impedimento, no curso de sua vigência, do exercício do voto e da regularização da inscrição.
Meu voto, portanto, Senhor Presidente, é para que o atendimento à orientação ora firmada se faça pela utilização, na hipótese noticiada pela Corregedoria Regional Eleitoral do Maranhão, de certidão com o teor acima enunciado, em modelo já existente no sistema de alistamento eleitoral (Sistema Elo), a contemplar tanto os apenados ainda não detentores de título eleitoral como os sentenciados com o status de  eleitores, expedindo-se imediata comunicação aos tribunais regionais e oficiando-se à Presidência do Conselho Nacional de Justiça.
É como voto.”[4]
O Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro – TRE/RJ na esteira do Tribunal Superior Eleitoral – TSE também decidiu:
“MANDADO DE SEGURANÇA  Nº 54-12.2012.6.19.0000
IMPETRANTE ADVOGADO IMPETRADO
MANDADO DE SEGURANÇA. REQUERIMENTO DE CERTIDÃO DE QUITAÇÃO ELEITORAL DESTINADO À OBTENÇÃO DE PASSAPORTE. APRESENTAÇÃO DAS CONTAS DE CAMPANHA APÓS O JULGAMENTO COMO NÃO PRESTADAS. CONCESSÃO PARCIAL DA ORDEM.
O julgamento das contas de campanha como não prestadas impede a emissão de certidão de quitação eleitoral  no curso do mandato ao qual   o candidato concorreu (art. 42 da Res. TSE 22.715/2008),  ainda  que haja posterior apresentação das contas.
Consoante entendimento firmado por esta Corte, no julgamento do RE 710-03 e do MS 776-80, o conceito de quitação eleitoral delineado pelo artigo 11, §72, da Lei 9.504/97 está intrinsecamente relacionado ao jus honorum, ou seja, possui cunho eleitoral, não cabendo a extensão de seus efeitos restritivos ao exercício de direitos  civis.
Por conseguinte, admite-se a expedição de certidão circunstanciada ao eleitor não quite com a Justiça  Eleitoral,  reconhecendo-se  a regularidade no exercício do voto, para o fim de atender a exigências específicas, relacionadas à prática de atos da vida civil, como  a  obtenção de passaporte, caso discutido nos autos.
Concessão parcial da segurança.
ACORDAM os Membros do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro, por unanimidade, em conceder  parcialmente a segurança,  nos termos do voto do  relator.
Sala de Sessões do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro.
Rio de Janeiro,  24 de  maio de  2012.”[5]

Como se pode ver a jurisprudência pátria explicita que o conteúdo da certidão é de “cunho eleitoral, não cabendo a extensão de seus efeitos restritivos ao exercício de direitos  civis”.[6]
A Justiça Eleitoral prevê a possibilidade de expedição de certidão circunstanciada, o que possibilita constar as especificidades dos casos.
O TRE/SP editou orientação nas eleições de 2014 que exemplifica os procedimentos de expedição de certidão circunstanciada, que é também utilizado nos demais tribunais regionais:

“A existência de pendências com a Justiça Eleitoral não impede a obtenção de certidão circunstanciada a ser fornecida pelo cartório eleitoral, que reproduza fielmente a situação do interessado, no momento do requerimento, no Cadastro Nacional de Eleitores, nos assentamentos do Cartório Eleitoral e, se for o caso, na Base de Perda e Suspensão de Direitos Políticos.
A certidão circunstanciada poderá ser expedida pelo sistema ELO ou pela intranet no menu Cartórios/Modelos da CRE.
Nos casos de parcelamento da multa eleitoral, o devedor poderá solicitar ao juiz certidão circunstanciada com efeito de quitação eleitoral, desde que as parcelas vencidas estejam pagas4.
Nesses casos, deverá ser utilizado o Modelo CRE-19.
Quando o recolhimento da multa inscrita em dívida ativa  ocorrer perante a Fazenda Nacional, o fornecimento da certidão de quitação estará condicionado à apresentação de guia da multa paga ou de certidão do referido órgão fazendário, específicos para o débito apurado pelo cartório eleitoral.
No período de fechamento do Cadastro Nacional de Eleitores, poderá ser fornecida certidão circunstanciada constante do sistema ELO e/ou da intranet deste Tribunal no menu Cartórios/Modelos da CRE, observando-se cada situação, conforme indicado a seguir.
Modelo CRE - 09: poderá ser fornecida aos eleitores com inscrição  suspensa.  Nesse  caso,  orientar  o  eleitor  a  apresentar os documentos que comprovem a cessação dos motivos  que ocasionaram a suspensão.
Modelo CRE – 12 (com prazo de validade até a reabertura do Cadastro Nacional de Eleitores): poderá ser fornecida aos eleitores  com inscrição cancelada (exceto pelo código de ASE 027, motivos/formas 1 e 2), após o recolhimento ou dispensa das multas devidas e constatada a ausência de outras pendências.
Modelo CRE – 13: poderá ser fornecida às pessoas  não  inscritas como eleitoras e que procurem o cartório para requerer o alistamento.
Modelo CRE - 24: poderá ser fornecida aos eleitores em situação regular, desde que ausentes ou regularizadas quaisquer pendências com a Justiça Eleitoral, e também nos casos de terceiro que não possua autorização do eleitor.
Modelo CRE - 28: poderá ser fornecida aos eleitores com inscrição suspensa, desde que comprovada a cessação dos motivos que ocasionaram a suspensão, bem como o recolhimento de multas devidas, se for o caso, e  ausentes outras pendências.
Modelo CRE - 29: poderá ser fornecida aos eleitores com inscrição regular e com registro de inabilitação para o exercício de função pública (ASE 515) ou inelegibilidade (ASE 540), desde que comprovada a cessação dos motivos que ocasionaram a inabilitação/inelegibilidade, bem como o recolhimento de multas devidas, se for o caso, e ausentes outras pendências.
Modelo CRE - 30: poderá ser fornecida às pessoas com  registro de perda ou suspensão de direitos políticos em situação “ATIVO” na Base de Perda e Suspensão de Direitos Políticos. Nesse caso, orientar o interessado a apresentar os documentos que comprovem a cessação dos motivos que ocasionaram a perda/suspensão.”[7]
Nesta esteira destaca-se a decisão monocrática da juíza ANA HELENA ALVES PORCEL RONKOSKI da 29a Zona Eleitoral de São José do Rio Claro, Mato Grosso, reconhecendo a delimitação aqui discorrida.
“Ante o exposto, considerando que a requerente, XXXXXXX, não se encontra quite com a Justiça Eleitoral, INDEFIRO a emissão de certidão de quitação eleitoral, visto não ser o caso. Não obstante, AUTORIZO a expedição de certidão circunstanciada indicando a atual situação eleitoral da requerente no Cadastro Nacional de Eleitores, em especial a informação de que a eleitora se encontra regular no exercício do voto, se for o caso, não obstante não esteja quite com a justiça eleitoral, face à ausência de prestação de contas quando candidata à vereadora nas eleições de 2012.”[8]
A justa decisão da magistrada, preservando livres os direitos da requerente tocante aos atos da vida civil, ordenou a expedição de certidão circunstanciada no seguintes termos:
“Certifico que, de acordo com os assentamentos do Cartório Eleitoral e com o que dispõe a Res. TSE nº 21.823/2004, o (a) eleitor (a) abaixo qualificado (a) não está quite com a Justiça Eleitoral na presente data em razão de irregularidade na prestação de contas. Todavia, a eleitora se encontra no regular exercício do voto, para o fim de atender às exigências específicas relacionadas à pratica de atos da vida civil, como posse em concurso público.”[9]
Portanto, a falta de quitação eleitoral não pode impedir que os cidadãos brasileiros pratiquem livremente os atos da vida civil, devendo restringir-se àquela seara.
*JOSÉ LUÍS BLASZAK, advogado eleitoralista, juiz membro do TRE/MT – biênio 2012/2014.


[1] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9504.htm
[2] idem
[3] Processo Administrativo nº 51920, Resolução nº 23241 de 23/03/2010, Relator(a) Min. FELIX FISCHER, Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Data 10/5/2010, Página 34 RJTSE - Revista de jurisprudência do TSE, Volume 21, Tomo 2, Data 23/3/2010, Página 397
[4] idem
[5] http://tre-rj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/23146247/mandado-de-seguranca-ms-5412-rj-trerj/inteiro-teor-111595544
[6] idem
[7] http://www.justicaeleitoral.jus.br/arquivos/tre-sp-normas-de-servico-cre-cap-viii-quitacao-eleitoral
[8] SADP - Acompanhamento processual - 4.792/2016 – 29a Zona Eleitoral – São José do Rio Claro/MT

[9] idem