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sexta-feira, 27 de maio de 2011

A ERA DO DIREITO ADMINISTRATIVO COMO RELIGIÃO JÁ ERA


O nobre amigo GUSTAVO BINENBOJM, com o qual tivemos a honra de desfrutar a companhia na Comissão Nacional de Exame da OAB, escreve um artigo de extrema importância para o atual exercício do Direito Administrativo. É Bacharel em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (1994), Mestre em Direito Público pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2000), Master of Laws (LL.M.) pela Yale Law School (2003) e Doutor em Direito Público pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2006). Atualmente é Procurador do Estado do Rio de Janeiro, Professor Adjunto de Direito Administrativo da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e Professor de Cursos de Pós-Graduação da Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getúlio Vargas.

O Ministro LUIZ FUX, em tão pouco tempo no STF, já diz para o quê veio. Indicam, seu poucos votos, que veio para fazer a diferença naquela Suprema Corte, que estava com certos calos de vaidades. O Direito está ressurgindo.
A Constituição da República, com 23 anos de idade, ainda que com 67 Emendas, possui seu texto base preservado. Os costumes, desde 1988, não se preservam. Assim, não s epreservam, também, o exercício efetivo das práticas administrativistas na seara do Direito Público. O Estado se modifica.
Modificando-se o Estado, modifica-se a hermenêutica jurídica. Logo, modifica-se o Direito.
Com essas singelas observações, faço introdução ao belo artigo escrito pelo colega GUSTAVO BINENBOJM. Afirmo que, tão breve seja disponibilizado os votos no STF, sobre o caso em tela, colocaremos à disposição dos interessados.
A ERA DO DIREITO ADMINISTRATIVO COMO RELIGIÃO JÁ ERA
O erudito voto proferido pelo ministro Luiz Fux no julgamento da ação direta (ADI 1.923-DF) em que se discute a constitucionalidade do modelo de organizações sociais, instituído pela lei 9.637/98, representa importante passo para o arejamento e a evolução do Direito Administrativo brasileiro. Seus sólidos fundamentos, cuja relevância transcende os estreitos lindes do caso concreto, prenunciam a abertura da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal para as transformações dos paradigmas da disciplina verificadas mundo afora e já captadas pelos modernos publicistas do país.
Logo de início, o voto afirma, com lucidez e argúcia, que não há um modelo de Estado único e inteiramente constitucionalizado no Brasil. Com efeito, embora constitucionalmente vinculado por lineamentos básicos e objetivos fundamentais, o tamanho e a formatação do Estado brasileiro dependerão das opções políticas determinadas por governos democraticamente eleitos. Em outras palavras, nossa moldura constitucional é suficientemente dúctil para abarcar diferentes desenhos institucionais e distintos projetos de intervenção estatal nos domínios econômico e social.
Lembrando o mau exemplo da Era Lochner, Fux descarta o uso do discurso constitucional como instrumento de oposição político-ideológica a modelos cujos contornos não foram exauridos pelo legislador constituinte, mas que sujeitos, por isso mesmo, à liberdade de conformação do legislador. Além do risco da cristalização de concepções ideológicas ultrapassadas, a hiperconstitucionalização do modelo de Estado exibe um potencial antidemocrático, na medida em que pode manietar as margens de deliberação legítimas de novas maiorias legislativas. Tudo isso foi registrado e apontado, de modo lapidar, no voto proferido.
As organizações sociais, portanto, não significam ou representam qualquer renúncia de tarefas públicas por parte do Estado. Como bem exposto no voto, não há uma reserva constitucional para o desempenho de serviços sociais por órgãos ou entidades estatais, senão apenas a exigência de que o Estado atue na promoção de determinados fins. Assim, as "OS" se afiguram como um modelo legal de fomento público, acompanhado de intensa regulação estatal, por meio do qual o Estado pretende atingir objetivos públicos de forma mais eficiente do que pela via de entidades próprias. Trata-se da indução da atividade do particular na direção do cumprimento de metas e obtenção de resultados de interesse público.
Vale salientar que o mesmo voto foi extremamente prudente em relação aos mecanismos de controle aplicáveis às "OS'. De fato, por meio de interpretação conforme à Constituição, afirmou-se que tanto o credenciamento das entidades como a seleção para a celebração do contrato de gestão (na verdade, um convênio) devem ser realizados mediante procedimento público, objetivo e impessoal, em reverência aos princípios reitores da Administração Pública (CF, art. 37, caput). Ademais, deixou-se clara a sujeição das "OS" aos controles do Ministério Público e do Tribunal de Contas, eis que situadas no âmbito constitucional de suas respectivas competências.
Por fim, o brilhante voto de Fux teve ainda o mérito de enunciar a chamada função regulatória da licitação, segundo a qual aos certames licitatórios podem ser atribuídos objetivos de indução a determinados comportamentos sociais e econômicos desejáveis. Assim, por exemplo, as licitações podem ser utilizadas para fomentar tecnologias ambientalmente limpas, o desenvolvimento das pequenas empresas ou, como no caso em questão, incentivar práticas sociais benéficas.
Resta aduzir, a bem da verdade, que tudo que se vem de dizer não confere garantia de sucesso ao modelo das organizações sociais. Há inúmeras outras razões, de ordem técnica, econômica e gerencial, que podem concorrer para o êxito ou fracasso do modelo. Essa é uma realidade que nada tem que ver com a discussão sobre a sua constitucionalidade.
Nada obstante isso, o voto do professor e ministro Luiz Fux cumpriu o importante papel de desmistificar a ideia de um regime jurídico-administrativo único, inflexível e atemporal, entrincheirado nas dobras da Constituição. Bem ao revés, ressai do voto uma visão pluralista e democrática do Direito Administrativo, comprometida tanto com seus princípios como com a realização eficiente de seus fins. A era do Direito Administrativo como religião já era.




JOSÉ LUÍS BLASZAK
Advogado e Professor de
Direito Administrativo e Eleitoral


Av Historiador Rubens de Mendonça, 1856, sala 1209
Cuiabá, Mato Grosso, CEP: 78040-085
(65) 3641 3205 - (65) 8449-8203
Email: blaszak@uol.com.br

quarta-feira, 18 de maio de 2011

ENTENDA O PORQUÊ DO ATRASO DAS OBRAS PARA A COPA DO MUNDO 2014


Entenda o porquê do atraso das obras para a Copa do Mundo 2014. Há uma Medida Provisória que tenta modificar os procedimentos licitatórios, especificamente, para as obras relativas à Copa do Mundo. Nada mais nada menos significa: simplificar o processo licitatório. O Ministério Público Federal efetuou algumas ponderações sobre os pontos mais relevantes da Medida Provisória nº 521/2010.
Lamentável medida.
Abre-se precedentes.
Faço uma rápida observação de fato. Acompanhei muitos processos administrativos e judiciais cujo objeto era licitação em municípios. O rigor da fiscalização aos municípios é evidente. Tantos prefeitos e servidores públicos, membros de comissões de licitações, foram processados e condenados por irregularidades. Agora, por conta de um interesse, que não diz respeito à essencialidade do interesse público, se avassala o rigor construído ao longo dos 18 anos de existência da Lei nº 8.666/93.
Segue abaixo manifestação do Ministério Público Federal, datada de 11 de maio de 2011, que merece adesão.




MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL



Grupo de Trabalho  Copa do Mundo FIFA 2014  da Coordenação e
Revisão do MPF




NOTA AO PROJETO DE LEI DE CONVERSÃO DA MP 521/2010 (Regime Diferenciado de Contratações Públicas)





O Grupo de Trabalho Copa do Mundo FIFA 2014 da Quinta Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal vem manifestar-se  DESFAVORAVELMENTE à  aprovação   dos  dispositivos abaixo  elencados  constantes do Projeto de Lei de Conversão  da MP
521/2010 em tramitação nesta Nobre Casa Legislativa, o qual versa sobre lei institutiva do denominado  Regime  Diferenciado  de  Contratações Públicas a ser aplicado às licitações e contratos necesrios à realização da Copa das Confederações da Federação Internacional de Futebol Associação FIFA 2013 e da Copa do Mundo FIFA 2014, pelas razões a seguir descritas.




Primeiro dispositivo:

Artigo 3º Fica instituído o Regime Diferenciado de Contratações Públicas RDC, aplicável às licitações e contratos necessários à realização:

I dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016, constantes da Carteira de Projetos Olímpicos a ser definida pela Autoridade Pública Olímpica APO; e

II da Copa das Confederações da Federação Internacional de Futebol  Associação  FIFA 2013 e da Copa do Mundo FIFA 2014, definidos pelo  Grupo  Executivo   GECOPA   2014  do  Comitê  Gestor  instituído  para definir, aprovar e superviosionar as ações previstas no Plano Estratégico das Ações do Governo Brasileiro para a realização da Copa do Mundo FIFA 2014 CGCOPA2014 e,  no  caso  das  obras,  as  constantes  da  matriz  de responsabilidades celebrada entre a União, Estados, Distrito Federal e Municípios.


(...)

Razões:

Houve afronta  ao artigo 22,  inciso  XXVII e  37,  inciso  XXI, ambos  da  Constituição.   A Constituição  estabelece  o  dever  da  legislação federal normatizar, a título de norma geral, as licitações e contratações; estabelecer ou fixar, portanto, o regime das licitações. Isto significa ter parâmetros suficientes para que o Administrador, pretendendo satisfazer determinada necessidade administrativa concernente a determinado objeto licitável  - tenha de antemão a previsibilidade  das regras a serem cumpridas na execução do certame licitatório.

A nosso ver,  a  aplicação  do  regime  RDC às  "licitações  e contratos"   "necessários   à   realização   da   Copa  das   Confederações  da Federação Internacional de Futebol  Associação - FIFA 2013  e da Copa do Mundo FIFA 2014, definidos  pelo Grupo Executivo - GECOPA  2014"  é uma cláusula intoleravelmente aberta, e que, a rigor, indica que está sendo conferido ao Poder Executivo o poder de definir  ou escolher, com base em critério  de elevado subjetivismo, o regime jurídico da licitação pública. Este poder de regência normativa é exclusivamente do legislador, e não pode ser transferido ou delegado ao Poder Executivo, da forma que está no projeto.

Não há nenhuma baliza legal sobre a qualificação nos casos concretos do que seja uma licitação ou contratação "necessária" aos eventos previstos  na  norma,  outorgando-se  desproporcional  poder  de  decisão  ao Grupo  Executivo GECOPA  2014.  Sendo indiscutível a relevância dos eventos citados  na  norma,  a  mera  referência a  necessidades  vinculadas aos mesmos não oferece nenhuma limitação ao exercício da  competência administrativa,  possibilitando o  seu  uso  com  arbitrariedade.

Interessante perceber que a mesma indeterminação foi reduzida no plano da lei no caso das "obras", porque a lei autoriza para as "constantes da matriz de responsabilidades celebrada entre a União, Estados, Distrito Federal e Municípios."

Na forma da redação atual, o artigo 3º, inciso II, viola a Constituição Federal, em especial os artigos 22, inciso XXVII, e artigo 37, inciso XXI, porque de forma expressa outorgou o poder de definir  o próprio regime de determinada licitação ou contrato ao próprio destinatário das limitações que a lei deve consignar.

Há violação de princípios constitucionais da Administração Pública. Atenta  contra  a  isonomia,  porque  admite  em  tese  aplicação  de regimes  jurídicos  díspares  para  contratações  similares,  a  depender  da exclusiva  e  subjetiva  decisão  da  Administração  Pública  em  determinado momento. Também gera violação da moralidade administrativa, porque a lei está chancelando e não limitando a atividade arbitrária do Administrador.

Segundo e terceiro dispositivos:

Art. 10. Na execução indireta de obras e serviços de engenharia são admitidos os seguintes regimes:
(...)
V contratação integrada.
§ Nas licitações e contratações de obras e serviços de engenharia  serão adotados,  preferencialmente, os regimes  de empreitada por preço global, empreitada integral e contratação integrada.
§ No caso de inviabilidade da aplicação do disposto no § 1º deste artigo,  poderá  ser  adotado  outro  regime  previsto  no  caput  deste artigo,  hipótese  em  que  serão  inseridos  nos  autos  do  procedimento  os motivos que justificaram a exceção.
(...)
§ 5º Nas licitações para a contratação de obras e serviços de engenharia, com exceçõa daquelas onde for adotado o regime previsto no inciso V do caput, deverá haver projeto básico aprovado pela autoridade competente, disponível para exame dos interessados em participar do processo licitatório.

Art. 11 Nas licitações de obras e serviços de engenharia serão no âmbito  do RDC poderá ser utilizada a contratação integrada, desde que técnica e economicamente justificado.
§1º A contratação integrada compreende a elaboração e o desenvolvimento dos projetos básico e executivo, a execução de obras e serviços de engenharia, a montagem, a realização de testes, a pré-operação e todas as demais operações necessárias e suficientes para a entrega final do objeto, respeitadas as condições de solidez, segurança, durabilidade, qualidade,  prazo de entrega e preço  especificados no instrumento convocatório, respeitado o disposto no caput do art. 8º..
§2º No caso de contratação integrada:
I o edital deverá conter anteprojeto de engenharia que contemple os documentos técnicos destinados a possibilitar a caracterização da obra ou serviço, incluindo a demonstração e a justificativa do programa de necessidades, a visão global  dos investimentos e as definições  quanto ao nível de serviço desejado, aos padrões de seguraa, à estética do projeto arquitetônico, à adequação ao interesse público, à economia na utilização, à facilidade na execução, á durabilidade e aos impactos ambientais;
II o valor estimado da contratação será calculado com base nos valores praticados pelo mercado, nos valores pagos pela Administração Pública em serviços e obras similares  ou na avaliação do custo global  da obra,  aferida  mediante  oamento  sintético  ou  metodologia  expedita  ou paramétrica; e
III será adotado o critério de julgamento técnica e preço;
§3º Caso seja permitida  no anteprojeto de engenharia a apresentação de projetos com metodologias diferenciadas de execução, o instrumento convocatório estabelecerá critérios objetivos para avaliação e julgamento das propostas.
§4º  Nas  hipóteses   em   que   for   adotada   a  contratação integrada,  fica  vedada  a  celebração  de  termos  aditivos   aos  contratos firmados, exceto nos seguintes casos;
I para recomposição do equilíbrio econômico-financeiro decorrente de caso fortuito ou foa maior; e
II por necessidade de alteração do projeto ou das especificações para melhor adequação técnica aos objetivos da contratação, a pedido da Administração Pública, desde que não decorrente de erros ou omissões por parte do contratado, observados os limites previstos no § do art. 65 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993.
Os dispositivos conferem à Administração o dever de adoção preferencial do regime denominado contratação integrada, no caso de obras e serviços de engenharia.  Com isto, obras e serviços de engenharia  ficam livres da exigência de apresentação de projeto básico e de projeto executivo, nos termos da legislação geral em vigor (artigo da Lei nº 8.666/1993).

Tendo em vista a definição legal do regime (artigo 11 e §1º), no qual se observa a amplitude do objeto da licitação no referido regime, havendo previsão apenas de que o Edital deverá conter um anteprojeto de engenharia (art. 11, §2º, inciso I), resta confessado que o Poder Executivo irá adotar o RDC para  obras e serviços de engenharia através do referido regime.

Ocorre que o conteúdo do denominado anteprojeto de engenharia é extremamente vago, genérico, e implicará a não a definição adequada  do  objeto  da  licitação  e  do  futuro  contrato,  violando expressamente o artigo 37, inciso XXI, que impõe  o dever  de licitar  para contratações de obras e serviços de engenharia e pressupõe logicamente a sua exata configuração.   Não há licitação sem pvio e determinado objeto, porque sem isto não há condições de disputa.

Admitindo-se o anteprojeto de engenharia, isto implicará violação  do  princípio  da  competitividade,  isonomia  e  da  impessoalidade, porque impedirá o julgamento objetivo da licitação.  Também poderá ensejar graves desvios de verbas públicas em razão da deficiência e da insuficiência do citado anteprojeto de engenharia.

A inadequação do anteprojeto de engenharia para definir o objeto da licitação é confirmada pela previsão genérica do modo de fixação do valor estimado da contratação (art. 11, §2º, inciso II).

A  inadequação   do  anteprojeto  de  engenharia”  para definir o objeto da licitação e do contrato também é confirmada na previsão do artigo 11, §4º, inciso II, no qual se estabelece a possibilidade de “alteração do projeto ou das especificações para melhor adequação técnica  aos  objetivos  da  contratação.      Esta   possibilidade      é contemplada na legislação atual, mas será indiscutivelmente potencializada com a indefinição do objeto licitado no regime da contratação integrada.

A  licitação   é  um  procedimento   destinado  a  selão  da proposta mais vantajosa, nos termos do artigo 37, inciso XXI, CF. No regime da contratação integrada, leva-se ao extremo a idéia de flexibilização da identificação do objeto da licitação, levando o regime para o campo da inconstitucionalidade, porque não se tem no referido regime objeto definido e apto  a  ser  licitado,  a  servir  de  parâmetros  para  propostas  diversas  que possam ser objetivamente comparáveis. Ou seja, não se tem a definição do objeto contratável, e, portanto, há nítida fuga ao dispositivo constitucional citado.

A lei procura amenizar a inconstitucionalidade, fazendo referência  à adoção obrigatória do critério  de julgamento  técnica e preço. Ora, procurou desviar o foco da inconstitucionalidade, porque não há como promover a elaboração adequada de exigências de formação de propostas técnicas  sem  o  pvio   e  adequada  definição   da  obra  ou  serviço  de engenharia.

De outro lado, o artigo 11, §1º, reporta-se ao respeito às condições de preço especificado no instrumento convocatório. Isto agrava a inconstitucionalidade do regime da contratação integrada, porque permite situação de anteprojeto de engenharia com preço global especificado no Edital, com critério de maior desconto” (art. 20, inciso I).

É uma violação manifesta dos princípios da isonomia, da moralidade e da impessoalidade, todos inspirados na indisponibilidade dos interesses públicos. Em rigor, a lei estará a autorizar a quase plena disponibilidade  do interesse público pelo Administrador. A obra é pública, e não  do  Administrador,  sendo  certo  que  a  execução  de  obra  pública  é atividade       constitucionalmente       regida       pelos      princípios      do      Direito Administrativo (art. 37).

Certamente,  o  regime  de  contratação  integrada  implicará maior rapidez na execução dos serviços e obras de engenharia. Todavia, esta pretendida  celeridade  não  pode  ser  obtida  com  eliminação   do  cleo essencial  do  princípio  da  licitação,  que  exige  especificação  adequada  do objeto, e não apenas documentos destinados a possibilitar a caracterização da obra ou serviço”, como pretende inconstitucionalmente o projeto.   A Constituição não pode ser alterada por norma jurídica de estatura hierárquica inferior.

Ademais, sabe-se que a utilização indevida do critério de técnica e preço para obras e serviços sem cunho intelectual e irregularidades na condão de projetos pelos contratados deram causa a diversos desvios em licitações e prejuízos ao erário. A esse respeito, cita-se as ações de improbidade administrativa ajuizadas pelo Ministério Público Federal em relação às obras dos Aeroportos de Vitória, Macapá, e Rio de Janeiro (Santos Dumont) 1, as quais foram, inclusive, objeto da CPMI do Apagão Aéreo.


Quarto e quinto dispositivos:

Art. 20 Poderão ser utilizados os seguintes critérios de julgamento: (...)

V maior retorno econômico.

Art.  25.   No  julgamento   pelo   maior   retorno  econômico, utilizado exclusivamente para a celebração de contratos de eficiência, as propostas  serão consideradas de forma a selecionar a que proporcionará a maior economia para a Administração Pública decorrente da execução do contrato.

§1º O contrato de eficiência  terá por objeto a prestação de serviços, que pode incluir  a realização de obras e o fornecimento de bens, com  o  objetivo  de  proporcionar  economia  ao  contratante,  na  forma  de redão de despesas correntes, sendo o contratado remunerado  com base em percentual da economia gerada.


1 Processos 2008.34.00.039431-1, 2009.34.00.006669-6 e 2008.34.00.035166-9, respectivamente, todos em curso na Seção Judiciária Federal do Distrito Federal.




§2º Na hipótese prevista no caput deste artigo, os licitantes apresentarão propostas de trabalho e de preço, conforme dispuser o regulamento.

§3º Nos casos em que não for gerada a economia prevista no contrato de eficiência:

I a diferença entre a economia contratada e a efetivamente obtida será descontada da remuneração da contratada;

II   se a diferença entre a economia contratada e a efetivamente obtida for superior à remuneração da contratada, será aplicada multa por inexecão contratual no valor da diferea; e

III     a  contratada  sujeitar-se-á,  ainda,  a  outras  saões cabíveis caso a diferença  entre a economia  contratada e a efetivamente obtida seja superior ao limite máximo estabelecido no contrato.

Razões:

A consagração do critério maior retorno econômico”, conjugado com a criação de novo tipo contratual o denominado contrato de eficiência -  tal como adotado na redação atual do Projeto, conflita com o princípio constitucional da impessoalidade (art. 37, caput) e a objetividade nas licitações públicas.

Não há delimitação  legal sobre o campo de abrangência do denominado contrato  de eficiência.  Tal como configurado no projeto (art.
25, §1º), qualquer espécie de serviço ou atividade da Administração Pública poderá ser objeto do aludido contrato. Com a sua aprovação, a nova figura de contrato administrativo abrangerá, na literalidade da proposta, qualquer contratação de prestação de serviços, na amplíssima dião legal.

É manifestamente subjetivo apontar o julgamento de uma licitação, com base no citado critério maior retorno econômico.

Não adiantar  estabelecer que  o  julgamento  será  efetivado pelo  emprego  de  parâmetros  objetivos  definidos  no  Edital  (art.  19,  §1º), quando logicamente é impossível traduzir em dados objetivos o que é essencialmente subjetivo.

A lei  criou  uma  nova  categoria  de contrato administrativo, bem similar à denominada concessão administrativa da Lei da PPPs (Lei nº
11.079/2004). Basta observar o objeto do contrato de eficiência (art. 25, §1º)
e  ver  a  semelhança  entre  os  modelos  normativos.  Mas  o  contrato  de eficiência é diferente no parâmetro de remuneração, que estaria embasada na redão de despesas correntes. O projeto não contém nenhuma limitação ao novo modelo contratual, em termos de valor estimado, prazo de vigência, formas de alteração unilateral e de rescisão unilateral etc.

A nova figura não traz suficiente regramento apto a fornecer seguraa jurídica na sua aplicação pela Administração Pública. É bom frisar que, nos termos do art. 3º, §2º, a adoção do RDC resultará no afastamento das normas contidas na Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, exceto nos casos expressamente previstos. Para o contrato de eficiência, há profunda obscuridade no regime estabelecido, dada a singela disciplina legal, em vista da elevada complexidade que sua aplicação certamente provocará.

 

Conclusão:

São estas as considerações que o Grupo de Trabalho Copa do Mundo FIFA 2014  da 5ª  Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal leva ao conhecimento do Congresso Nacional, para que sejam apreciadas no momento da análise e votação do projeto do Regime Diferenciado de Contratações Públicas, na certeza de que possam subsidiar o processo legislativo na melhor deliberação na matéria, à luz da Constituição Federal.

Ressalta-se que a presente Nota destaca  apenas os pontos mais  significativos  do  Projeto  de  Lei  de  Conversão da  MP  521/2010,  na redação à qual o Ministério Público Federal teve acesso. Assim, a impugnação dos dispositivos acima apontados não exaure a análise deste órgão acerca de outros  artigos,   cuja  inconstitucionalidade   poderá   ser  questionada  pelo controle concentrado.




Brasília, 10 de maio de 2011.




Athayde Ribeiro Costa
Procurador  da República


Carolina de Gusmão Furtado
     Procuradora  da República






Ana Carolina Oliveira Tannus Diniz
Procuradora  da Republica


        Paulo Roberto Galvao de Carvalho
Procurador da Republica